Alavancado, o agronegócio se tornou um dos protagonistas em processos de reestruturação de dívida no país, com muitos produtores enforcados com custos altos e pressão sobre o preço de algumas commodities. Com o sinal amarelo, estão sendo estudadas formas para amenizar o problema, que incluem mecanismos do mercado de capitais.
A necessidade iminente por caixa pelas empresas mais estranguladas pelo custo da dívida já chama a atenção dos fundos especializados em investimentos alternativos, os ‘special sits’, que já analisam oportunidades na área.
O panorama de dificuldade contrasta com o avanço do setor no ano passado no país. O Produto Interno Bruto (PIB) da agropecuária cresceu 15,1% e foi o carro-chefe para a expansão de 2,9% do PIB brasileiro.
Estudo da Virtus, empresa especializada em reestruturação de empresas, revela a situação. Com o recorte apenas das empresas listadas na bolsa, a fotografia mostra queda na geração de caixa e aumento do nível do endividamento, acendendo o sinal de alerta.
A margem de lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda), importante indicador de rentabilidade e que mostra a proporção entre a geração de caixa e a receita líquida de uma empresa, saiu de 14,4% no fim de 2021, na média, para 7,4% no ano passado. A alavancagem, que representa o quanto a dívida é maior do que a geração de caixa anual de uma empresa, contudo, teve movimento oposto, com aumento de 87%, para 3,1 vezes no mesmo período, segundo o levantamento feito a pedido do reportagem.
Das empresas analisadas no estudo, 60% já têm alavancagem acima de 3 vezes, sendo essa, no geral, uma das métricas observadas para a quebra de covenants (obrigações financeiras determinadas em contrato).
O sócio da Virtus, Douglas Bassi, lembra que o preço das commodities é uma peça preponderante na equação da saúde financeira do agronegócio. Diante do atual cenário, a Virtus tem observado um aumento de consultas por parte de produtores que passam por aperto financeiro. “A tendência continua”, aponta.
A fotografia para as empresas não listadas é ainda mais delicada. “As empresas listadas têm um acesso mais fácil ao capital, hoje a um custo de CDI mais 2%, em média. Mas no setor como um todo o spread é muito maior”, afirma.
Segundo fontes consultadas pela reportagem muitos produtores rurais se endividaram nos últimos anos, utilizando os recursos para investir, comprando mais terras, em um momento de preço alto das commodities. Muitos deles lançaram mão do Fiagro, fundos de investimento que atuam no setor agropecuário. Um grupo desses produtores, no entanto, não está conseguindo realizar os pagamentos de acordo com os contratos.
Os pedidos de recuperação judicial no agro já deram o tom do problema. Segundo dados da Serasa Experian divulgados ontem, os pedidos de recuperação judicial por produtores rurais no ano passado tiveram alta de 535% (ver abaixo). E o cenário é de piora, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.
Com isso, alguns Fiagros tiveram que avisar seus cotistas sobre a falta de pagamento. A Galapagos Capital, por exemplo, teve que comunicar sobre a recuperação judicial do Grupo Elisa, da família Mitre, com um Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA). A gestora avisou aos cotistas que estava “atuando em conjunto com os demais credores do CRA na defesa dos interesses do fundo”.
Procurada pela reportagem, a Elisa Agro afirmou que a “recuperação judicial foi a melhor opção diante das adversidades macroeconômicas que impactaram a operação da empresa nos últimos anos”. “A companhia confia que, em conjunto com seus assessores e credores, adotará um plano de reestruturação exequível capaz de ajustar as obrigações financeiras ao fluxo de caixa para garantir a continuidade sustentável da operação e milhares de empregos”, disse, em nota.
Outro caso é do fundo Vectis Datagro Crédito do Agronegócio, que comunicou que vai decretar o vencimento antecipado de CRAs da Brasil Bio Fuels, que recorreu à proteção judicial contra cobranças de dívidas. Procurada, a BFF afirmou que o seu pedido foi de uma tutela de urgência “com o objetivo de obter um prazo de 60 dias para buscar uma solução consensual com seus principais credores”.
Bassi, da Virtus, lembra que muitos Fiagros foram lançados em um momento de juros mais baixos no Brasil e de preços mais altos das commodities, cenário que mudou de ambos os lados. Segundo dados de janeiro da Anbima, há hoje 98 Fiagros ativos, com um patrimônio líquido de R$ 36,4 bilhões — eram nove fundos em agosto de 2021.
Em alguns casos de recuperação judicial no Mato Grosso, por exemplo, juízes de primeira instância não têm aceitado as terras dadas como garantias em empréstimos, acolhendo a tese da essencialidade do bem. O assunto é olhado de perto pelas gestoras, que passaram a antever problemas.
O sócio da área de Reestruturação & Insolvência do escritório Lefosse, Roberto Zarour, afirma que o movimento de procura do setor agro para recuperações judiciais e reestruturações tem crescido no ano, com casos grandes, demonstrando que a tendência é forte. “A Selic está em trajetória de queda, mas ainda está muito puxado. Um reflexo tem sido as empresas mais fragilizadas, com dívida bancária em mercado de capitais”, comenta. Muitas dessas renegociações, contudo, têm ocorrido fora do ambiente judicial, aponta.
No mercado financeiro, algumas estruturas estão sendo estudadas de forma a capitalizar e alongar os vencimentos desses produtores. Uma que vem sendo debatida é o uso do próprio Fiagro para reunir as atuais dívidas e reempacotá-las, em outras condições, com maior prazo. Outra alternativa, que vem sendo olhada pelos fundos de ‘special sits’, é o arrendamento de terras, ou seja: o fundo compra a terra, fazendo um contrato de longo prazo com o produtor.
Rodrigo Aguiar, da Íntegra, empresa especializada em reestruturação de empresas, afirma que a situação mais dramática vem sendo observada nos produtores de soja e milho, que se endividaram para investir e foram pegos no contrapé com alta dos juros e queda do preço das commodities. Os produtores de etanol pouco expostos ao açúcar também atravessam um período de desafios.
Segundo Aguiar, muitos credores, que estavam lenientes no período de pandemia, estão pacientes. Outra questão, afirma, tem sido a discussão com os credores de mercado de capitais, que são detentores da dívida muito mais pulverizados e menos acostumados à volatilidade do setor agropecuário. “Muitos produtores foram pegos em um mau momento no pico do investimento, mas quando ainda não tinham o resultado desses aportes”, comenta.
Percebendo oportunidades no mercado, a ARC Capital tem colocado casos na mesa para fazer empréstimos ao agro pela modalidade Debtor-in-Possession (DIP), feita dentro de uma recuperação judicial, conta o sócio da gestora, Sérgio Firmeza Machado. “Estamos olhando alguns processos de produtores de soja, algodão, milho e etanol”, afirma.