O silêncio gélido de uma sala de julgamento em Campo Grande foi quebrado nesta terça-feira por um relato que ainda ecoa com incredulidade. Gabrieli Paes da Silva, de 31 anos, está sendo julgada pelo homicídio qualificado da própria filha, Melany Paes, de apenas cinco meses de idade. O crime, ocorrido em junho de 2021 no bairro Vila Bandeirantes, tem sido descrito pelas autoridades como de motivo torpe e com uso de asfixia, praticado por afogamento em uma bica d’água.
Ao longo do julgamento presidido pelo juiz Carlos Alberto Garcete, a ré teve o rosto preservado, a pedido de sua defesa. No momento mais delicado da audiência, os jurados receberam autorização para formular perguntas à acusada. A cada resposta, o enredo se tornava mais perturbador. Gabrieli afirmou que o ato não foi planejado e que não houve influência externa. Disse que foi tomada por um impulso. “Foi como se fosse um impulso. Foi assim”, respondeu com aparente apatia.
A linha de defesa apresentada por Gabrieli revelou uma visão distorcida da realidade. Ela declarou que acreditava que a filha estava possuída por um demônio. Segundo relatou, essa suspeita surgiu após a vacinação da criança, embora em um primeiro momento, ao ser presa, tenha dito que a menina teria recebido o “chip da besta” na cabeça. Anos depois, no banco dos réus, ela reformulou a afirmação: “Naquele momento eu falei do chip, mas era sobre mim, não sobre ela. Eu achava que a Melany estava possuída por um demônio. Acho que era porque ela era muito inteligente”.
Gabrieli, que afirma seguir a fé cristã, negou que tivesse envolvimento direto com outras crenças, embora tenha frequentado festas da umbanda com o pai de seus outros dois filhos. Disse que sempre foi cristã e que, no dia do crime, deu dois banhos na filha: um na banheira e outro no chuveiro, entre 16h e 17h. Depois, colocou a menina no carrinho e seguiu até a casa de amigas, mas não soube precisar o horário de chegada. Alegou também não lembrar da conversa que teve com elas, nem se mencionou a ideia do “chip”.
A tragédia só foi percebida quando as amigas notaram o silêncio da criança e constataram que seu corpo estava rígido. Correram até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Jardim Leblon, mas Melany já estava sem vida. As testemunhas afirmaram que, ao ser questionada, Gabrieli apenas repetia que “não aconteceu nada” e ria.
A delegada Elaine Benicasa, responsável pelo caso, declarou que não há dúvidas sobre a consciência da ré no momento do ato. “Ela ficou segurando a menina embaixo d’água. Estava consciente de que estava afogando a criança”, afirmou, descartando qualquer possibilidade de insanidade.
A investigação revelou ainda outros detalhes que acrescentaram gravidade ao caso. A perícia feita na UPA apontou sinais de violência sexual. Melany apresentava o ânus dilacerado e o hímen rompido. Ao ser interrogada, Gabrieli não quis comentar o assunto. Contudo, à polícia, admitiu ter introduzido palitos na genitália da filha, justificando que seguia uma orientação médica que recebera em um posto de saúde. Disse que o médico havia diagnosticado “fechamento vaginal” e recomendado o uso de uma pomada, o que, segundo ela, motivou sua atitude.
O proprietário da casa onde mãe e filha moravam afirmou à polícia que o chuveiro da residência ficou ligado por cerca de quatro horas no dia do crime. Após estranhar a ausência de resposta às batidas na porta, decidiu cortar o fornecimento de água, sem imaginar que ali dentro a tragédia já havia ocorrido.
Gabrieli e Melany viviam sozinhas em uma casa simples na rua Santa Helena. Pessoas próximas, entre elas vizinhos e membros da Igreja Universal, onde a ré era conhecida, auxiliavam com alimentação e apoio ocasional. Nenhuma testemunha foi intimada para depor no júri.
O julgamento prossegue com os debates entre a acusação e a defesa. A sociedade, perplexa, acompanha com atenção cada passo desse processo, que desnuda não apenas a crueldade do ato, mas também a falência de laços e cuidados que poderiam, talvez, ter impedido um desfecho tão brutal.
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