Mato Grosso do Sul, 21 de maio de 2025
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Cortes em ‘Vale tudo’ evidenciam crise de audiência e pressionam Globo a repetir fórmula de risco

Com dificuldades para atrair público, emissora reedita estratégia adotada em ‘Mania de você’, acelerando a trama com cortes drásticos que podem comprometer a narrativa e a coesão dramática
Ivan (Renato Góes) e Raquel (Taís Araujo)
Ivan (Renato Góes) e Raquel (Taís Araujo)

A teledramaturgia brasileira atravessa uma fase de instabilidade. Mesmo com altos investimentos, nomes consagrados no elenco e direção artística primorosa, algumas produções da Globo vêm enfrentando resistência por parte do público. O exemplo mais recente é a nova versão de Vale tudo, novela de horário nobre que, apesar de carregar o prestígio de uma obra clássica assinada originalmente por Gilberto Braga, vem apresentando números abaixo das expectativas da emissora.

Com uma média que oscila em torno de 21 pontos no ibope da Grande São Paulo, a trama adaptada por Manuela Dias chegou a um momento decisivo de sua trajetória. Prestes a completar cinquenta capítulos no ar, o folhetim já atravessou a fase de apresentação dos personagens e começa a mergulhar nos grandes conflitos dramáticos que sustentam a espinha dorsal da narrativa. Nesse estágio, os desdobramentos centram-se na separação entre Raquel, interpretada por Taís Araújo, e Ivan, vivido por Renato Góes, além do iminente casamento entre Maria de Fátima (Bella Campos) e Afonso (Humberto Carrão), um dos eventos mais aguardados dos próximos capítulos.

No entanto, o desempenho modesto da novela tem provocado inquietações nos bastidores da emissora. Em busca de soluções para reverter a queda de audiência, a Globo decidiu recorrer a uma estratégia já conhecida — e controversa: o corte sistemático de cenas. Trata-se da mesma medida adotada em Mania de você, novela de João Emanuel Carneiro que enfrentou duras críticas ao sacrificar arcos narrativos inteiros para manter o dinamismo da trama.

Uma escolha arriscada e com precedentes negativos

De acordo com informações divulgadas pelo site Na Telinha, cenas completas, escritas por Manuela Dias e gravadas com o elenco, estão sendo suprimidas na edição final. Em termos de conteúdo bruto, os trechos eliminados somariam o equivalente a cerca de cinco capítulos inteiros, considerando a média de duração entre 40 e 50 minutos diários — com exceção das quartas-feiras, em que o tempo de exibição é reduzido para aproximadamente meia hora devido à grade esportiva.

Um exemplo emblemático ocorreu no capítulo exibido em 5 de maio. A cena programada para encerrar o episódio traria a chegada de Odete Roitman (Débora Bloch) ao jantar na casa de sua futura nora, Solange (Alice Wegmann), o que representaria um excelente gancho de suspense. No entanto, a exclusão de sequências comprometeu o ritmo natural do acontecimento, antecipando a discussão entre as personagens e precipitando o clímax da situação.

Embora esse tipo de edição busque garantir fluidez e manter o público atento, a prática pode acarretar sérios prejuízos à coerência interna da obra. Cenas cortadas quebram a progressão dramática dos personagens, eliminam nuances importantes de suas trajetórias e interferem na construção de tensão emocional. Não se trata apenas de uma escolha estética, mas de uma alteração profunda no trabalho coletivo que envolve roteiristas, diretores, atores e técnicos.

O fantasma de ‘Mania de você’ e o risco do déjà vu

O histórico recente da emissora mostra que essa estratégia nem sempre gera os efeitos desejados. Em Mania de você, os cortes aplicados nos primeiros capítulos prejudicaram a compreensão do público e comprometeram o impacto dos grandes momentos da trama. O caso mais notório foi o assassinato de Molina (Rodrigo Lombardi), cujo desfecho ocorreu de forma apressada após a eliminação de passagens fundamentais que davam consistência ao arco investigativo.

Na ocasião, a revelação de que Mavi (Chay Suede) era o verdadeiro assassino aconteceu sem o desenvolvimento necessário, levando o público a enxergar a virada como abrupta e pouco convincente. O impacto esperado pela emissora não se confirmou: mesmo com a tentativa de criar um momento de comoção nacional, a audiência seguiu em queda, e a novela nunca alcançou o patamar previsto em sua estreia.

A repetição da fórmula em Vale tudo sugere uma aposta alta da Globo em nome da audiência. Porém, a medida suscita questionamentos sobre os limites entre ritmo televisivo e integridade artística. A novela, que deveria consolidar um novo momento do horário nobre, agora corre o risco de repetir os mesmos erros de produções recentes, sufocando o conteúdo em favor da urgência por números.

O futuro da narrativa e a tensão nos bastidores

Fontes próximas à produção revelam que parte do elenco demonstrou insatisfação com os cortes, uma vez que cenas significativas acabaram descartadas antes mesmo de irem ao ar. A preocupação não é infundada: em um ambiente artístico baseado em entrega e construção de personagens, o desaparecimento de sequências trabalhadas com afinco afeta não apenas a qualidade da obra, mas também a motivação dos envolvidos.

Manuela Dias, roteirista responsável pela adaptação, tem sido cuidadosa nas mudanças feitas em relação à versão original. Ao preservar o espírito da obra de Gilberto Braga, ela buscava, até então, estabelecer uma conexão com o público por meio de uma leitura contemporânea da corrupção moral e das relações sociais. Contudo, a interferência na edição pode romper essa intenção e desvirtuar a essência do projeto.

Com a narrativa se aproximando de seus primeiros grandes clímaxes, as próximas semanas serão decisivas. A resposta da audiência será observada com atenção, e a manutenção da estratégia dependerá diretamente do impacto que esses ajustes provocarão nos números do ibope.

A teledramaturgia da Globo, embora ainda seja referência no Brasil e no exterior, encontra-se diante de um dilema moderno: como equilibrar agilidade e profundidade em uma era de consumo fragmentado e concorrência digital? A resposta talvez não esteja apenas nos cortes, mas na valorização da história e na confiança no público.

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