A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Apostas Esportivas, apelidada de CPI das Bets, teve um desfecho surpreendente e controverso nesta quinta-feira, 12 de junho, ao rejeitar, por 4 votos a 3, o relatório final apresentado pela senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS). A decisão do colegiado livrou de indiciamento nomes como o da influenciadora digital Virginia Fonseca e de outros personagens envolvidos em contratos publicitários com casas de apostas, além de figuras do mercado e políticos citados ao longo dos 130 dias de investigação.
A votação encerra uma das comissões mais tumultuadas do Senado nos últimos anos, marcada por disputas internas, pressão de grupos econômicos e suspeitas de extorsão envolvendo interlocutores políticos. A última vez que o Senado rejeitou um relatório final de CPI havia sido há uma década, fato que por si só já revela o peso histórico da decisão.
A proposta de relatório recomendava o indiciamento de 16 pessoas e a adoção de medidas legislativas para regular o setor das apostas online. O documento, elaborado por Soraya Thronicke, também propunha o banimento de jogos como o popular “jogo do tigrinho” e o reajuste anual da taxa de outorga para empresas de apostas.
Apesar do conteúdo robusto, o texto foi rejeitado com os votos contrários dos senadores Angelo Coronel (PSD-BA), Eduardo Gomes (PL-TO), Efraim Filho (União-PB) e Professora Dorinha Seabra (União-TO). Votaram a favor Soraya Thronicke, Alessandro Vieira (MDB-SE) e Eduardo Girão (Novo-CE). A votação contou com registros presenciais e remotos e ocorreu após tentativas de manobras regimentais para impedir o quórum mínimo necessário.
O senador Eduardo Gomes criticou o tom do relatório e afirmou que o funcionamento das CPIs precisa ser revisto para evitar o que chamou de “figura do xerife político”. Para ele, houve exageros e “pirotecnia” em torno das investigações, e as acusações não se sustentavam com a solidez exigida para pedidos de indiciamento.
Já o senador Angelo Coronel alegou que o tempo entre a apresentação do relatório e sua votação foi curto e insuficiente para análise criteriosa. Declaradamente favorável à legalização dos jogos de azar, Coronel argumentou que a atividade, se bem regulamentada, representa fonte legítima de receita para o país, a exemplo de outros mercados internacionais.
A decisão da comissão poupou a influenciadora digital Virginia Fonseca de uma possível investigação criminal por sua participação em campanhas publicitárias de casas de apostas. O nome dela, um dos mais conhecidos do entretenimento digital no Brasil, havia sido incluído no relatório sob suspeita de promover jogos com potencial impacto negativo sobre o público infantojuvenil.
Soraya Thronicke criticou duramente os colegas que se ausentaram da maior parte das sessões da CPI, mas compareceram no dia da votação apenas para rejeitar o relatório. Segundo ela, as recomendações foram baseadas em provas documentais, depoimentos e movimentações financeiras suspeitas colhidas ao longo dos trabalhos.
“Indiciamos apenas aqueles sobre os quais pairavam indícios robustos. Poderíamos ter indicado mais, mas decidimos agir com responsabilidade e critério. O que se vê hoje é a força de um lobby que atuou desde o primeiro dia para proteger interesses bilionários”, afirmou a senadora.
Os bastidores da comissão também foram marcados por episódios de tensão e acusações. Um lobista ligado ao grupo de Soraya foi acusado de tentar extorquir empresários do setor de apostas. O caso envolveu Fernando Oliveira Lima, do grupo OIG Gaming, próximo ao senador Ciro Nogueira (PP-PI), um dos principais defensores das empresas de apostas e membro influente da chamada “bancada das bets”.
O episódio aprofundou as divisões internas da comissão e acabou sendo explorado como argumento contra a credibilidade da relatora. Ciro Nogueira chegou a afirmar que Soraya não tinha condições morais de conduzir a investigação, o que acentuou o clima de disputa política dentro da CPI.
Mesmo derrotada na comissão, Soraya Thronicke afirmou que irá encaminhar todos os dados e documentos apurados à Procuradoria-Geral da República e ao Ministério Público Federal, para que as autoridades competentes possam abrir investigações formais.
A CPI, instalada em novembro de 2024 e prorrogada até 14 de junho deste ano, teve sua tentativa de novo prolongamento ignorada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Com o encerramento oficial das atividades, os relatórios individuais dos senadores deverão ser arquivados, e qualquer encaminhamento dependerá agora de iniciativas fora do Parlamento.
A atuação dos parlamentares nos últimos dias da comissão mostrou a influência direta do lobby das empresas de apostas, que contaram com advogados e representantes atuando intensamente nas sessões. O cenário contrastou com a presença esporádica de senadores e a falta de consenso em torno da missão da CPI.
Com o relatório rejeitado, a CPI das Bets entra para a história como mais um esforço legislativo neutralizado por interesses divergentes, fragilidade política e disputas que extrapolaram o escopo da investigação.
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