A Espanha retirará “definitivamente” sua embaixadora na Argentina após o presidente do país, Javier Milei, ter se recusado a pedir desculpas por sua fala contra a esposa do primeiro-ministro Pedro Sánchez, Begoña Gómez, na qual a chamou de “corrupta”, anunciou o ministro das Relações Exteriores, José Manuel Albares, nesta terça-feira.Madri já havia sinalizado na véspera que não descartava um rompimento da relação com Buenos Aires pouco depois de convocar o embaixador argentino Roberto S. Bosch para exigir um pedido público de desculpas.
“Anuncio que estamos retirando nossa embaixadora em Buenos Aires”, María Jesús Alonso Jiménez, que já havia sido chamada para consultas no domingo, e que “ela permanecerá definitivamente em Madri”, o que significa que “a Argentina continuará sem um embaixador”, disse Albares em uma entrevista coletiva após um conselho de ministros.
O chanceler que, na segunda, classificou as declarações de Milei como “extremamente graves” e “sem precedentes na história das relações internacionais” elevou o tom após a postura do presidente argentino frente ao episódio. Milei, que realizava sua primeira viagem à Espanha desde que chegou à Casa Rosada em dezembro, não apenas se recusou a pedir desculpas como tem ironizado o caso nas redes sociais.
Ao anunciar seu retorno a Buenos Aires, o ultraliberal escreveu em uma publicação no X (antigo Twitter) que “voltou o leão, surfando em uma onda de lágrimas socialistas”. As críticas de Milei à Sánchez, que chamou o ultraliberal de “covarde”, prosseguiram após seu desembarque no país sul-americano. Em entrevista ao canal TN, o ultraliberal destacou que não pediria desculpas, como o primeiro-ministro e a chancelaria espanhola vinham pedido.
Não vou pedir desculpas a ele [Sánchez] em nenhuma circunstância afirmou Milei, alegando que “quem foi atacado fui eu”, em referência aos funcionários do governo espanhol que o chamaram de “xenófobo, racista, ultradireitista (…) negador da ciência, misógino”.
Milei disse que a “situação é promovida com o kirchnerismo, está coordenada com o kirchnerismo” e “é gravíssima”, alegando que “não há dúvidas, [o ex-presidente argentino] Alberto Fernández é assessor de Pedro Sánchez”, que apoiou o seu adversário Sergio Massa nas eleições.
À mesma emissora, o ministro do Interior argentino, Guillermo Francos, já havia afirmado que “nenhum pedido de desculpas era necessário”, alegando que era o premier espanhol quem devia desculpas a Milei “pelas coisas que disseram sobre” o ultraliberal.
Porta-voz argentino minimiza episódio
Na segunda-feira, Sánchez acusou Milei de não estar “à altura” dos dos “laços de fraternidade” entre Espanha e Argentina e voltou a exigir uma “retificação pública”. Durante um discurso no Fórum econômico CREO, organizado pela CíncoDías, o premier afirmou que o “respeito é inalienável” e que as falas do ultraliberal não foram feitas “em nome do grande povo argentino”.
Por sua vez, o porta-voz da presidência argentina, Manuel Adorni, minimizou o episódio ao defini-lo como uma questão “entre pessoas e não entre países”.
Chama a atenção que as relações entre dois países historicamente ligados estejam sob tensão devido a uma decisão mal avaliada e confiamos que, uma vez superados os acontecimentos eleitorais na Europa que motivam estas ações, possamos redirecionar as relações disse Adorni.
O episódio ocorreu durante um discurso de Milei em um evento para líderes de extrema direita organizada pelo partido espanhol Vox, em Madri o presidente argentino não se encontrou com o rei Felipe VI nem com Sánchez. Na ocasião, o ultraliberal se referiu à Begoña Gómez como uma “mulher corrupta”. Embora não tenha identificado Sánchez ou sua esposa pelo nome, a alusão do líder argentino ao período de reflexão que ele levou para decidir se renunciaria devido aos ataques à Gómez permitiu que o casal fosse identificado.
As elites globais não percebem o quão destrutivo pode ser implementar as ideias do socialismo (…), mesmo quando a mulher for corrupta, sujar-se e tirar cinco dias para pensar sobre isso afirmou.
Gómez estava sendo investigada por uma suposta relação comercial com empresas que receberam ajuda do governo. Em abril, o premier chegou a suspender sua agenda pública para decidir se seguiria à frente do governo espanhol, afirmando ser alvo de uma campanha de assédio pessoal e difamatória da oposição, incluindo as acusações de corrupção contra sua esposa.
Além de Milei, que foi descrito pelo líder do Vox, Santiago Abascal, como “nossa estrela brilhante”, o evento contou também com as presenças da francesa Marine Le Pen, do premier húngaro, Viktor Orbán, e da premier italiana, Giorgia Meloni (os dois últimos por vídeo), e do chileno José Antonio Kast. A reunião ocorreu dias antes das eleições europeias serem realizadas na Espanha, no próximo dia 9 de junho.
Desentendimentos constantes
O novo desentendimento entre Madri e Buenos Aires se soma ao que ocorreu recentemente devido a declarações do ministro dos Transportes da Espanha, Óscar Puente, que cometeu o “erro” de acordo com seu próprio pedido de desculpas posterior de sugerir que Milei havia ingerido “substâncias” antes de um discurso, no início de maio, acrescentando que “há pessoas muito ruins que, sendo elas mesmas, chegaram ao topo”.
A Argentina condenou duramente os comentários, e Puente pediu desculpas, afirmando que havia cometido um “erro”. Depois disso, a questão foi “resolvida” e “finalizada”, segundo o porta-voz da Presidência argentina, Manuel Adorni.
Na sexta-feira, a número três do governo Sánchez, Yolanda Díaz, acusou o presidente argentino de semear o “ódio”.