Na última quinta-feira, uma cena perturbadora ganhou as redes sociais e gerou um debate acalorado sobre justiça e segurança pública no Brasil. Em um vídeo amplamente compartilhado, um homem aparece amarrado com as mãos para trás enquanto é forçado a correr ao lado de um grupo de motociclistas pelas ruas de Oswaldo Cruz, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. O registro, carregado de crueldade, mostra ainda um dos motoqueiros segurando o fio que prende os punhos do homem.
Segundo informações da Polícia Militar, o homem e um comparsa foram acusados de furtar cabos de energia elétrica. Ambos acabaram detidos e levados à 30ª DP (Marechal Hermes) após serem agredidos por populares. A gravação, que provocou repúdio em alguns e aplausos em outros, também é prova de um crime cometido pelos motociclistas, que agora são investigados.
“Do Furto à Humilhação Pública”
Na filmagem, é possível ouvir uma voz masculina dizer: “Amarraram e estão levando pro Tedi”. O destino mencionado é incerto, mas a legenda do post que acompanha o vídeo é clara: “Pegaram os dois gansos roubando e, depois de desfilar com eles, deram aquela massagem.” O termo “desfilar” refere-se ao ato de arrastar os suspeitos pelo bairro como forma de punição e humilhação.
Os agentes do 9° BPM (Rocha Miranda) foram acionados após uma denúncia e chegaram ao local na Rua Carlos Xavier, onde prenderam os dois homens sob acusação de roubo. Contudo, como explicou o delegado Flávio Loureiro, não há testemunhas que confirmem o furto, nem evidências concretas do suposto crime. “Eles não ficaram presos, vão responder na investigação. Sem provas ou testemunhas, seria precipitado decretar a prisão em flagrante”, afirmou.
Os dois homens, de 28 e 35 anos, foram levados a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) para tratar os ferimentos causados pelo linchamento. Segundo Loureiro, ambos estavam visivelmente abalados, mas expressaram gratidão aos policiais por intervirem antes que a situação piorasse.
“A Crítica de Especialistas”
O episódio trouxe à tona um debate sobre a crescente cultura de justiça com as próprias mãos no Brasil. A professora Juliana Vinuto, doutora em sociologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em segurança pública, chamou atenção para o simbolismo e a gravidade do caso.
“Mesmo que tenha ocorrido um furto, os motoqueiros também estão cometendo um crime. Não é responsabilidade deles punir ninguém. Poderiam até imobilizá-los e acionar a polícia. O que vimos é uma tentativa de humilhar publicamente essas pessoas, o que remete a imagens históricas de opressão, como as que vimos no período da escravidão”, explicou Juliana.
A especialista também relaciona o caso à falta de confiança na polícia e na justiça brasileiras. “Crimes como esse ocorrem porque muitas pessoas não acreditam que o sistema de segurança pública seja eficaz. No entanto, não é dessa forma que se resolvem os conflitos. Quando indivíduos tomam para si a função de mediadores, o resultado é sempre a barbárie.”
“O Papel da Sociedade e do Estado”
O vídeo de Oswaldo Cruz é mais um capítulo de um fenômeno preocupante que mistura desconfiança nas instituições, sensação de insegurança e uma busca por justiça imediata. O caso também expõe as fragilidades do sistema de segurança pública, onde a falta de provas impede a prisão de suspeitos, mas também evidencia a necessidade de uma mudança cultural na forma como a população lida com conflitos.
A investigação sobre os motociclistas segue em curso, e há a expectativa de que eles sejam identificados e responsabilizados. Enquanto isso, os dois homens que protagonizaram a cena continuarão sob a mira da justiça para apurar se, de fato, cometeram o crime de furto.
Casos como este levantam uma pergunta inquietante: até que ponto a sociedade está disposta a tolerar a violência para suprir as lacunas deixadas pelo Estado? E como evitar que, ao buscar justiça, caiamos em atos que perpetuam a própria violência que queremos combater?
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