Na audiência pública realizada nesta terça-feira, em Brasília, representantes do agronegócio do Rio Grande do Sul deram um recado direto ao governo federal: ou aparece uma solução política para o endividamento dos produtores, ou o campo vai parar. O tom foi de cansaço e revolta, após quatro anos de perdas consecutivas causadas por mudanças climáticas severas e a ausência de ações efetivas do poder público.
Lideranças rurais, parlamentares e entidades do setor se uniram em coro para cobrar a securitização das dívidas com prazo de até 20 anos, além da destinação de recursos do Fundo Social do pré-sal para cobrir os prejuízos acumulados, que já passam dos R$ 106 bilhões apenas no setor agrícola, e ultrapassam os R$ 319 bilhões quando se somam os danos à agroindústria.
A audiência foi convocada pelo deputado Afonso Hamm e contou com declarações duras e emocionadas. Para Gedeão Pereira, presidente da Farsul, a situação é crítica. “O que vivemos no Rio Grande do Sul não é grave, é gravíssimo. Se não houver solução política, tecnicamente os produtores estão falidos”, alertou. Segundo ele, o setor enfrenta um colapso silencioso, mas que já se mostra no aumento de pedidos de recuperação judicial por parte dos agricultores.
Carlos Joel da Silva, presidente da Fetag-RS, reforçou a crítica. “Estamos cansados de vir a Brasília pedir ajuda. Dinheiro tem, só falta vontade política. Chega de empurrar com a barriga. Queremos solução com prazo, com respeito, e com recursos de verdade”, disparou.
Graziele de Camargo, do movimento SOS Agro RS, foi além: “Estamos sendo humilhados. Pedimos apenas a chance de continuar trabalhando. A situação é insustentável e a falta de ação do governo só piora tudo”.
Enquanto isso, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, não participou da audiência, o que aumentou a frustração dos representantes. Ele teria se comprometido a receber o setor em reunião marcada para o dia seguinte, mas sua ausência foi interpretada como mais um sinal de desinteresse.
Além das dívidas, o agronegócio gaúcho está sendo devastado por perdas agrícolas catastróficas. Segundo a Farsul, entre 2020 e 2024, o Estado perdeu cerca de 40 milhões de toneladas de grãos, com destaque para as safras de milho e soja. Só para 2025, a estimativa já aponta uma nova perda de 10 milhões de toneladas.
“Tem lugar onde estão colhendo 15 sacos de soja por hectare. Isso não paga nem o adubo. Não tem mais como continuar nesse ritmo. Mesmo assim, a inadimplência dos produtores gaúchos é a menor do Brasil, o que mostra o esforço que fazemos para honrar nossos compromissos”, explicou Gedeão Pereira.
A proposta levada pelos líderes rurais é a criação de uma linha de crédito com recursos do Fundo Social do pré-sal, que seja específica para renegociação das dívidas rurais, com prazo estendido por até duas décadas. Segundo eles, o fundo já foi utilizado em 2023 para atender emergências no Estado, como enchentes, e deve ser novamente direcionado para salvar o campo.
Os parlamentares também apresentaram projetos de lei que buscam soluções complementares. O senador Luis Carlos Heinze propõe a emissão de títulos públicos para cobrir até R$ 60 bilhões em dívidas. O deputado Luciano Zucco defende a anistia de dívidas de custeio e a suspensão de execuções judiciais. Já o deputado Heitor Schuch propõe alterações nas regras do Proagro, que ficaram mais rígidas recentemente.
Do lado do governo, a resposta ainda é morna. O Ministério da Agricultura reconhece a gravidade da situação e estima que, em 2025, as parcelas de crédito rural com vencimento cheguem a R$ 28 bilhões. A Pasta sugeriu a prorrogação por seis meses, mas o Ministério da Fazenda não acenou positivamente até agora. A equipe econômica teme o impacto no orçamento do Plano Safra, que já está comprometido com a equalização de juros para novos financiamentos.
“Tudo que se renegocia é retirado do Plano Safra. E quando o problema passa da normalidade, o impacto não é só no Ministério da Agricultura, mas no orçamento federal como um todo”, disse Wilson Vaz de Araújo, secretário-adjunto da Pasta.
Mesmo com o seguro rural em ação, como o Proagro, que promete destinar R$ 2,3 bilhões ao Rio Grande do Sul em 2025, os produtores afirmam que isso não cobre nem de perto os prejuízos acumulados.
Enquanto isso, a crise no campo segue apertando. A cada mês sem resposta, aumenta o número de propriedades sem condições de manter a produção. Sem chuva, sem crédito, e sem apoio firme, o risco é o esvaziamento do interior gaúcho, onde milhares de famílias dependem da terra para viver.
Os produtores seguem firmes na cobrança, mas o sentimento que cresce é de abandono. “Queremos ser parte da solução. Só precisamos que o governo olhe para nós. Já mostramos que temos responsabilidade, agora só pedimos uma chance de seguir em frente”, concluiu Gedeão Pereira.
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