Mato Grosso do Sul, 10 de maio de 2025
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Ana Castela se tornou a voz mais ouvida do Brasil após implodir a tensão entre agro e urbano

Em Nosso Quadro, a música mais tocada do ano no País, Ana Castela (com participação de Luan Pereira e do plantel da Agroplay) fez gol com uma bola que estava quicando havia anos, mas ninguém se interessou ou acertou
Foto: Reprodução/Instagram/@anacastelacantora
Foto: Reprodução/Instagram/@anacastelacantora

Duas cenas marcaram a cultura pop brasileira em 2022. A primeira foram discursos rancorosos de Zé Neto contra Anitta. No dia 12 de maio, em Sorriso (MT), o sertanejo resolveu falar contra a funkeira no palco, dizendo que ele “não depende de Lei Rouanet” e fazendo uma menção ofensiva ao que Anitta depois chamou, com ironia, de “tatuagem no tororó”.

As ofensas de Zé Neto e o deboche de Anitta desencadearam uma discussão sobre incentivo à cultura, já que o cantor criticou o uso da Lei Rouanet enquanto fazia shows com verbas públicas astronômicas de prefeituras. As críticas ganharam até o nome informal de #CPIdoSertanejo nas redes sociais.

Discussão sobre política pública à parte, uma parte do embate ficou em segundo plano: no show seguinte, em Dourados (MT), no dia 19 de maio, já sob ataques, Zé Neto disse que ia “rezar” para que pessoas como Anitta “calcem uma botina e entrem num curral” e ia “rezar” para ela “entender” que “o leite que você compra na caixinha não vem bonitinho da caixinha, alguém tirou”.

O que fizeram a turma de Ana, Chris no Beat, Us Agroboy e um amigo dela ainda mais ousado e criticado, o cantor Luan Pereira, foi abrir a cabeça do sertanejo, modernizá-lo para a era do TikTok. Eles têm base em escritórios de Londrina, não de Goiânia. Enfrentaram, claro, também o preconceito de cantar o orgulho da roça diante de fãs de pop e funk. Abertas essas porteiras, foi só seguir para 2023, quando Ana virou a cantora mais ouvida do Brasil na principal plataforma de streaming, o Spotify.

Em Nosso Quadro, a música mais tocada do ano no País, Ana Castela (com participação de Luan Pereira e do plantel da Agroplay) fez gol com uma bola que estava quicando havia anos, mas ninguém se interessou ou acertou (nem do lado urbano, nem do sertanejo): um grande hit de reggaeton em português, sem se fingir de hispânico (alô, Anitta), com a pegada malemolente do ritmo vizinho traduzida para uma história de “sofrência” bem brasileira.

Em “Bombonzinho” (de Ana com Israel e Rodolffo), outro sucesso dela no top 5 do ano, e em “Canudinho” (com Gusttavo Lima), uma das músicas mais ouvidas atualmente, ela ajuda a dar leveza e frescor ao som dos artistas, especialmente Gusttavo, com aquele ar empolado, pesado e ultrarromântico que marcava o sertanejo antes de sua comitiva chegar.

É improvável que alguém que não se interesse por Ana Castela ou pelos motivos de seu sucesso tenha chegado ao final deste texto pesado e empolado (a hipocrisia). Mas é possível que estas pessoas achem que tudo não passa de efeito do “agromoney”.

Ana Castela teria chegado ao número 1 simplesmente porque pagou, alguém menos atento pode pensar. Tudo na indústria musical brasileira pode ser comprado, e sucessos como os dela seriam apenas resultado do dinheiro da economia do Centro-Oeste jorrando nesse campo.

Sim, o escritório de Ana, Agroplay, fez um trabalho de marketing, de preparação dela como produto, e de investimento sem o qual é impossível um artista sertanejo estourar no Brasil. Mas é preciso lembrar, também, que há dezenas de duplas lançadas todo mês, muitas com investimento milionário. O “agromoney” está rolando. No caso dela, também foi “smart money”.

É importante entender, também, por que Ana Castela deixou os outros “investimentos” comendo poeira. Compreender como ela incorporou a tensão negativa do Brasil de 2022 e a transformou em um projeto musical que desconhece porteiras pode ajudar a entender e pensar outros caminhos para o País – que, claro, não passem só pelo embate rancoroso de Zé Neto.

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