A prisão temporária de Marlon Brandon Coelho, conhecido artisticamente como MC Poze do Rodo, ocorrida na madrugada de quinta-feira, dia 29 de maio, acendeu um sinal de alerta no universo do rap e do trap nacional. Além da detenção do cantor, outros artistas que integram o cast da gravadora Mainstreet Records, a mesma que gerencia a carreira de Poze, podem ser os próximos alvos das investigações conduzidas pela Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ).
As suspeitas recaem sobre a suposta ligação de diversos artistas com a promoção ideológica de facções criminosas por meio de suas músicas e clipes, muitos dos quais ostentam símbolos, armamentos e discursos que, segundo as autoridades, flertam com a apologia ao crime. A preocupação das forças de segurança é que essas manifestações artísticas sirvam não apenas como entretenimento, mas também como uma sofisticada ferramenta de propaganda e expansão territorial de organizações criminosas como o Comando Vermelho (CV) e o Terceiro Comando Puro (TCP).
No emblemático clipe da música “Assault Carro Forte”, artistas renomados como Borges, Orochi, Chefin, Oruam e Bielzin surgem juntos encenando um plano meticuloso para o roubo de um banco, dispostos, segundo a narrativa musical, a matar ou morrer. As cenas do videoclipe constroem uma narrativa cinematográfica que se inicia com uma mensagem contextualizando que os eventos ali exibidos ocorrem 72 horas antes do suposto assalto. Entre armas de fogo, máscaras de palhaço, correntes de ouro e bebidas alcoólicas, os cantores entoam versos como “Todos os meus manos portando fuzil. Todos os meus manos portando uma glock”, explicitando o teor agressivo e desafiador da obra.
Embora o clipe, que acumula cerca de 124 milhões de visualizações no YouTube, traga ao final um aviso da Mainstreet Records afirmando que os responsáveis pela produção não compactuam nem incentivam atos de violência ou crime, a Polícia Civil considera que esse tipo de narrativa, repetida em diversas músicas do portfólio da gravadora, extrapola a liberdade artística e se insere no contexto de apologia ao crime organizado.
Entre os artistas que compõem o quadro da Mainstreet Records, destaca-se Mauro Davi Nepomuceno, o Oruam, cuja trajetória musical é permeada por referências explícitas ao Comando Vermelho. Filho de Marcinho da VP, apontado pelas autoridades como um dos líderes da facção, Oruam não esconde sua admiração pela organização criminosa e frequentemente alude a essa relação em suas letras. Em “Tropa do Urso”, por exemplo, faz menção ao grupo liderado por Edgar Alves de Andrade, o traficante conhecido como Doca ou “Urso”. Já na música “Papo de Augustinho”, o rapper canta que é “soldado do Marcin”, aludindo diretamente ao seu pai, embora no clipe oficial a referência tenha sido suavizada para “relíquia do Marcin”.
A prisão de Poze do Rodo, motivada por suspeitas de ligação direta com integrantes da cúpula do Comando Vermelho, foi interpretada pelas autoridades como um desdobramento inevitável de uma trajetória marcada por canções que frequentemente exaltam a facção criminosa. Títulos como “Respeita o CV” e “Fala Que a Tropa É Comando Vermelho” são exemplos claros dessa vinculação simbólica. Em diversos versos, Poze glorifica a atuação da facção e menciona abertamente o conflito com grupos rivais, como o Terceiro Comando Puro. Em uma das letras mais notórias, entoa: “CV, CV… É mais um dia de luta, nós vamo traficar.”
Apesar do conteúdo explícito de suas músicas, Poze e outros artistas do grupo negam qualquer envolvimento com atividades criminosas, sustentando que as composições fazem parte de uma representação artística, sem compromissos com ações reais. Essa narrativa, entretanto, não tem convencido os investigadores, que agora aprofundam as apurações em torno da Mainstreet Records.
A resposta dos artistas à prisão de Poze foi imediata. Diversos membros do grupo se manifestaram nas redes sociais, criticando a ação policial e denunciando o que consideram uma perseguição à cultura da favela. Orochi e Leviano compartilharam vídeos reforçando que MCs não são criminosos, enquanto Chefin classificou a prisão como um reflexo da opressão estatal. Cabelinho declarou que a luta transcende a figura de Poze, e PL Quest e Raffé denunciaram a hipocrisia de políticas públicas que, segundo eles, deixam crimes impunes enquanto criminalizam artistas. Bin e Dfideliz chamaram a ação de covardia, Borges propôs que o Rio de Janeiro parasse em protesto e Oruam, que passou o dia comentando o caso, anunciou a organização de uma motociata “para mostrar que o povo tem voz”.
Enquanto os artistas se articulam publicamente em defesa do companheiro preso, a gravadora Mainstreet Records também entrou na mira das autoridades. A investigação aponta que a empresa poderia estar envolvida não apenas na promoção de conteúdos que fazem apologia ao crime, mas também em práticas de lavagem de dinheiro. O inquérito aberto pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) visa apurar a extensão dessas atividades e a eventual participação da gravadora na estrutura financeira das organizações criminosas. Até o momento, a assessoria da Mainstreet não se pronunciou oficialmente sobre as acusações.
Em entrevista coletiva concedida na manhã de quinta-feira, o delegado Felipe Curi, secretário estadual de Polícia Civil, foi enfático ao afirmar que as músicas promovidas por Poze e outros integrantes da Mainstreet funcionam como instrumentos de propaganda do Comando Vermelho. Para Curi, é fundamental que se faça a distinção entre artistas e criminosos que se utilizam da arte para encobrir suas reais atividades. “Essa ideologia, às vezes, é muito mais lesiva do que um tiro de fuzil na favela”, declarou o delegado, apontando que o impacto simbólico dessas músicas na legitimação do crime pode ser devastador para as comunidades vulneráveis.
O caso reforça um fenômeno já denunciado por especialistas: o uso da música como ferramenta de expansão e dominação por facções criminosas. Cinco dias antes da prisão de MC Poze, uma reportagem já havia apontado como funkeiros, rappers e trappers brasileiros vêm incorporando, sem titubear, letras sobre poder, ostentação e porte de armas, muitas vezes associando-se a facções criminosas e promovendo discursos que desafiam a autoridade do Estado.
Esses artistas, venerados especialmente nos bailes das comunidades periféricas, tornaram-se protagonistas de uma pauta política complexa, que envolve liberdade de expressão, segurança pública e o papel da cultura na construção das identidades sociais. O debate agora se intensifica: até que ponto a arte pode, ou deve, ser responsabilizada pelas consequências simbólicas e práticas de seu conteúdo?
As investigações continuam e, segundo a Polícia Civil, novos desdobramentos podem ocorrer a qualquer momento, com a ampliação dos inquéritos para outros nomes do cenário musical nacional associados à Mainstreet Records.
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