Ao término de sua quarta visita de Estado à China, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez questão de pontuar, diante de jornalistas brasileiros e estrangeiros, a profundidade do vínculo entre o Brasil e a potência asiática. “A nossa relação com a China é muito estratégica”, afirmou. O tom não era apenas institucional, mas carregado de pragmatismo. Em meio a um cenário global de disputas comerciais e reconfiguração geopolítica, o Brasil reafirmou seu compromisso com um modelo de cooperação baseado no multilateralismo, na inovação tecnológica e no desenvolvimento sustentável.
A comitiva brasileira desembarcou em Pequim com metas claras e voltou ao país com resultados concretos. Foram firmados 20 acordos bilaterais, além da adoção de outros 17 documentos oficiais. As tratativas cobriram áreas diversas, como ciência, infraestrutura, saúde, defesa, clima, inteligência artificial, comércio e inovação. Segundo Lula, a expectativa é que esses instrumentos de cooperação moldem os próximos 50 anos da relação entre os dois países.
A viagem também serviu para sedimentar o novo patamar das relações diplomáticas entre as nações. Desde novembro de 2024, Brasil e China integram o eixo chamado de “Comunidade de Futuro Compartilhado por um Mundo Mais Justo e um Planeta Mais Sustentável”. Trata-se de uma aliança política e simbólica que traduz os interesses convergentes de duas potências emergentes que buscam um papel mais protagonista na governança global.
Parcerias com valor agregado e ambição tecnológica
Durante coletiva concedida na quarta-feira, 14 de maio, Lula destacou que, além da tradicional exportação de commodities agrícolas e minerais para a China, o Brasil quer diversificar sua pauta de exportações. “Queremos trocar produtos com maior valor agregado”, afirmou o presidente. A afirmação vem ao encontro da nova orientação estratégica da diplomacia econômica brasileira, que aposta em cadeias produtivas de maior sofisticação e sustentabilidade.
Entre os destaques da agenda econômica está o investimento de US$ 1 bilhão por parte da empresa Envision Group na produção de SAF combustível sustentável para aviação no Brasil. Além disso, a companhia Windey Technology firmou parceria com o Senai Cimatec para a instalação de um Centro de Pesquisa e Desenvolvimento na área de energia renovável. Ainda no campo da saúde, foram assinados acordos para o desenvolvimento conjunto de vacinas e insumos farmacêuticos ativos (IFAs), com perspectiva de criação de uma plataforma industrial robusta no território brasileiro.
Na área da infraestrutura, o setor portuário despertou o interesse de grandes conglomerados chineses. O ministro Silvio Costa Filho anunciou a disposição dessas empresas em participar do leilão do Túnel Santos-Guarujá, com previsão de investimento superior a R$ 6 bilhões. Também estão previstos aportes de R$ 5 bilhões em portos públicos. O governo brasileiro ainda assinou acordo com a Universidade da Aviação Civil da China, com vistas à melhoria da governança nos aeroportos nacionais.
Relação comercial em expansão e busca por equilíbrio
Ao relembrar que, em 2003, o fluxo comercial entre os dois países era de US$ 6,6 bilhões, Lula ressaltou o avanço registrado nas últimas duas décadas. “Hoje, temos o privilégio de dizer que nosso comércio bilateral já alcança US$ 160 bilhões, com viés de alta”, afirmou. Ainda assim, o presidente brasileiro frisou que o objetivo não é apenas alcançar cifras mais altas, mas buscar equilíbrio: “O comércio bom é aquele que parece uma via de duas mãos. A gente compra e a gente vende.”
Nesse contexto, os acordos assinados também visam facilitar o acesso de produtos industrializados e tecnológicos brasileiros ao mercado chinês, assim como ampliar a presença de empresas chinesas em setores estratégicos no Brasil. O foco, segundo o governo, é promover inovação, gerar empregos qualificados e acelerar a transição verde da economia brasileira.
Brics e a reinvenção do sistema multilateral
Em suas conversas com o presidente chinês Xi Jinping, Lula reforçou a importância do Brics como ferramenta de transformação global. Segundo ele, o bloco — que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — pode ajudar a incluir os países historicamente excluídos do centro de decisões políticas e econômicas. “O Brics é a possibilidade de a gente mudar a história”, afirmou.
O presidente destacou ainda a expectativa de que a próxima cúpula do grupo, marcada para os dias 6 e 7 de julho no Rio de Janeiro, seja a mais significativa desde sua fundação. Os temas centrais da reunião serão o fortalecimento de moedas alternativas ao dólar no comércio internacional, a reforma das instituições financeiras multilaterais e a cooperação sul-sul em inovação e desenvolvimento sustentável.
Diplomacia da paz e aposta no diálogo internacional
Durante a coletiva, Lula expressou otimismo quanto à possibilidade de um cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia. Segundo ele, há sinais promissores de que os presidentes Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky possam se reunir em Istambul, com apoio da China e do Brasil, para iniciar um processo de negociações. “Ao invés de trocar tiros, trocar palavras”, disse, em tom de esperança.
A questão da paz internacional também se refletiu na declaração conjunta sobre a guerra na Ucrânia, assinada por Lula e Xi Jinping, reforçando o compromisso das duas nações com soluções diplomáticas e multilaterais para os conflitos armados no mundo.
Cooperação estrutural e visão para o futuro
No campo da ciência e tecnologia, um dos acordos mais simbólicos foi o estabelecimento de um Centro de Transferência de Tecnologia entre os ministérios da Ciência e Tecnologia de ambos os países. Também foi assinada uma declaração conjunta que prevê o compartilhamento de dados espaciais com países da América Latina e Caribe, a partir da cooperação entre o Brasil e a Administração Espacial Nacional da China.
Outro momento marcante foi a participação de Lula no IV Fórum Celac-China, realizado na terça-feira, 13 de maio. O evento reforçou a aproximação entre os países da América Latina e a China, com foco em infraestrutura regional. “O apoio chinês é decisivo para tirar do papel rodovias, ferrovias, portos e linhas de transmissão”, afirmou Lula, ao defender maior articulação entre os países do Sul Global.
Investimento direto e liderança regional
Dados do Conselho Empresarial Brasil-China indicam que o Brasil foi o principal destino de investimentos chineses na América Latina entre 2003 e 2023. O volume estimado alcança US$ 73,3 bilhões, distribuídos em 264 projetos, com destaque para os setores de energia, petróleo, transporte, finanças e tecnologia.
Segundo o presidente brasileiro, essa parceria vai além da esfera bilateral. Brasil e China mantêm diálogo estratégico em instâncias como G20, Organização Mundial do Comércio (OMC), Brics, Basic e nas Conferências do Clima da ONU. “É assim que temos que olhar para a China, com apreço, e é assim que a China olha para o Brasil”, afirmou Lula.
A visita oficial encerrou-se com a reafirmação de compromissos mútuos, a publicação de uma declaração conjunta e a promessa de seguir trabalhando lado a lado por um futuro mais justo, moderno e sustentável. Para Lula, o encontro não foi apenas diplomático, mas um marco no reposicionamento do Brasil no cenário global.
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