A tensão nas relações comerciais entre China e Estados Unidos, marcada por tarifas que atravessam sucessivas rodadas de negociações, trouxe à tona um cenário que reposiciona o Brasil como protagonista no comércio global de soja. O país, já responsável por mais da metade das exportações mundiais, poderá enfrentar a necessidade de racionar sua produção caso a China concentre suas compras exclusivamente no mercado brasileiro.
Neste contexto, o quadro de oferta e demanda global revela-se apertado e altamente dependente da evolução do embate comercial sino-americano. A safra brasileira 2024/25 já se aproxima de 60% de comercialização, enquanto a nova safra americana, marcada por uma área plantada reduzida e adversidades climáticas no Corn Belt, tende a não ultrapassar 118 milhões de toneladas, segundo as projeções mais atualizadas.
A combinação de uma produção americana limitada e a continuidade do esmagamento interno robusto nos Estados Unidos torna a soja brasileira ainda mais atrativa, mesmo durante o segundo semestre, período em que a disputa entre exportações e demanda doméstica se intensifica. A dinâmica atual do mercado global é distinta de anos anteriores, quando a safra americana iniciava a temporada com até 40% das exportações garantidas antecipadamente, devido à forte demanda chinesa e à limitada oferta brasileira.
Eduardo Vanin, analista do complexo soja na Agrinvest Commodities, esclarece essa mudança estrutural. “Com o Brasil produzindo volumes recordes, a safra brasileira permanece mais competitiva por mais tempo, não gerando demanda antecipada para a soja americana até o início do programa de exportações deles”, observa o especialista.
De fato, a transformação no comércio global de soja evidencia a supremacia brasileira, que mantém sua competitividade mesmo após o fim de sua janela de colheita. As exportações nacionais seguem batendo recordes sucessivos, enquanto os Estados Unidos encontram-se limitados na sua capacidade de expandir a produção de forma significativa.
O contexto é ainda mais complexo diante da continuidade da guerra comercial. Uma recente manchete do portal chinês South China Morning Post ilustrou bem a tensão: “Agricultores dos EUA sofrem com a estagnação das exportações de soja para a China, apesar da trégua tarifária”. Este sofrimento tende a se perpetuar, conforme analisa Vanin, especialmente por conta da atuação das grandes tradings internacionais, como as tradicionais ABCD (Archer Daniels Midland, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus), responsáveis por esmagar volumes expressivos de soja na China.
Segundo Vanin, a China ainda precisa adquirir volumes consideráveis de soja até o final de setembro. “Somando a demanda chinesa, outros compradores e a nossa indústria, devemos ter perto de 25 milhões de toneladas. O Brasil, mantendo o histórico, chegará ao fim de setembro com cerca de 85% da safra vendida, ou seja, aproximadamente 35 milhões de toneladas. Assim, restarão de 10 a 12 milhões de toneladas, que podem se converter em estoque ou serem direcionadas para o mercado interno”, explica.
A grande incógnita permanece: se a China optar por comprar exclusivamente no Brasil, poderá haver falta de soja para atender à totalidade da demanda, forçando um racionamento interno. Caso contrário, a soja americana poderá aliviar essa pressão, mas as tarifas em vigor dificultam tal movimento.
De acordo com os dados mais recentes da Secex (Secretaria de Comércio Exterior), o Brasil já embarcou, até o momento, 48,6 milhões de toneladas de soja em 2025. Entretanto, conforme levantamento da Royal Rural, o line-up brasileiro já contabiliza quase 55 milhões de toneladas prontas para exportação. Somente em junho, os embarques devem superar 7,7 milhões de toneladas, um patamar expressivo que reafirma a relevância brasileira no fornecimento global da oleaginosa.
Maurício Buffon, presidente da Aprosoja Brasil, reforça a complexidade do cenário: “Como o plantio da safra americana já está bem avançado, não há tempo para os produtores norte-americanos expandirem significativamente a área e a oferta. No curto prazo, o efeito é pequeno, mas até 2025/2026 pode haver uma limitação na demanda pela soja brasileira”, afirmou ao jornal chinês Global Times.
Os números sustentam esta avaliação. Enquanto na temporada 2018/19 os Estados Unidos produziram 120,5 milhões de toneladas, exportaram 47,7 milhões e mantiveram estoques finais de 25,1 milhões, para a atual safra a estimativa é de uma produção de 117,6 milhões de toneladas, com exportações de 50,7 milhões, mas estoques finais extremamente apertados, na ordem de apenas 7,4 milhões de toneladas.
Diante deste contexto, o mercado global de soja vive um momento de inflexão histórica. O Brasil, maior produtor e exportador mundial, caminha para consolidar ainda mais sua hegemonia, mas também enfrenta o desafio de equilibrar suas exportações com as necessidades do mercado interno. A continuidade das tarifas e a evolução das tensões comerciais entre as duas maiores potências do mundo seguem como variáveis decisivas para os rumos da soja brasileira e para o abastecimento global da commodity.
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