Mato Grosso do Sul, 7 de junho de 2025
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Crescimento evangélico desacelera e expõe desgaste nas igrejas por excesso de política no púlpito

Censo do IBGE revela avanço mais lento entre evangélicos e especialistas apontam que envolvimento político exacerbado das lideranças religiosas afasta fiéis e fragiliza identidade das comunidades

A publicação dos dados do Censo 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou um movimento que vem se desenhando silenciosamente nas últimas décadas, mas que agora adquire contornos mais nítidos: o ritmo de crescimento do grupo evangélico no Brasil desacelerou. Ainda que os evangélicos mantenham uma presença crescente entre os grupos religiosos do país, os novos números apontam para um fenômeno mais complexo e menos triunfante do que se anunciava. O que muitos esperavam ser uma ascensão vertiginosa tornou-se uma curva menos acelerada, em parte, por causa de fatores internos às próprias igrejas, especialmente o envolvimento cada vez mais intenso de lideranças religiosas com a política institucional.

A cientista política Ana Carolina Evangelista, diretora-executiva do Instituto de Estudos da Religião (ISER), avalia que o excesso de política nos púlpitos e na retórica pastoral tem provocado um desgaste profundo entre fiéis evangélicos. Para ela, a presença ostensiva de discursos partidários e polarizados em templos e eventos religiosos tem provocado uma desconexão entre parte da comunidade evangélica e suas lideranças.

“Temos identificado, a partir de pesquisas qualitativas e observações empíricas, que começa a existir uma espécie de cansaço, de esgotamento em relação a um tipo de cristianismo que se confunde com militância ideológica”, explicou a pesquisadora à BBC News Brasil. “Há um excesso de política nas igrejas que faz com que muitas pessoas não se reconheçam mais em suas lideranças religiosas, seja pelo perfil delas ou pelas pautas que elas têm defendido publicamente, e que acabam excluindo seus próprios membros.”

O cenário que se forma sugere um descompasso entre a presença pública do discurso evangélico, especialmente em contextos eleitorais, e a real filiação religiosa dos brasileiros. A intensa visibilidade dos evangélicos nos meios de comunicação, no Congresso Nacional, nas disputas presidenciais e nos debates sobre costumes criou, segundo Evangelista, uma falsa expectativa de que o crescimento do segmento seria explosivo no Censo. No entanto, a realidade estatística mostrou um avanço mais modesto: 5,2 pontos percentuais, abaixo das projeções que circularam nos últimos anos.

Esse descompasso também pode estar ligado ao desencanto de jovens nascidos em famílias evangélicas que, ao amadurecer, optam por caminhos espirituais diversos, ou mesmo por nenhuma religião. O Censo revelou um crescimento significativo da população que se declara sem religião, além da ascensão das religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, cuja presença proporcional aumentou consideravelmente na última década.

Para Evangelista, os dados devem funcionar como uma espécie de correção de rota para o debate público. “Vejo algumas correções de rumo em como o debate público, a mídia, os analistas políticos vão começar a olhar e correlacionar o campo religioso com o campo político brasileiro”, afirma. Segundo ela, a presença evangélica na política permanece influente, mas não é mais possível tratá-la como um fenômeno de hegemonia crescente e inevitável.

Os resultados do Censo também indicam que a paisagem religiosa brasileira está se tornando mais diversa, plural e fragmentada. Não se trata apenas de uma diminuição do ímpeto de crescimento evangélico, mas de uma reorganização mais ampla do cenário espiritual do país. Esse movimento parece refletir mudanças de fundo na sociedade brasileira, incluindo novas formas de pertencimento, identidades religiosas mais fluidas e um cansaço diante da instrumentalização da fé para fins eleitorais.

Em um país onde a religião sempre desempenhou papel relevante na vida cotidiana e no imaginário coletivo, o que está em jogo não é apenas uma mudança de números, mas uma transformação profunda no modo como os brasileiros se relacionam com o sagrado. As igrejas evangélicas, que nas últimas décadas ocuparam espaços antes dominados por outras expressões religiosas, agora se veem desafiadas a repensar sua forma de se comunicar com fiéis que exigem menos proselitismo político e mais acolhimento espiritual.

A cientista política também adverte contra previsões precipitadas sobre o futuro da fé no Brasil. Embora seja comum ouvir que o país caminha para se tornar majoritariamente evangélico, Evangelista lembra que tais projeções ignoram a complexidade do campo religioso. “O campo religioso é dinâmico e responde a transformações sociais, políticas e culturais. Não há garantias de linearidade nesse crescimento”, disse.

Assim, os dados do IBGE não apenas revelam uma inflexão na trajetória do crescimento evangélico, mas apontam para os riscos de uma fé transformada em plataforma político-partidária. As consequências desse cenário já são sentidas dentro dos próprios templos, onde a palavra de salvação convive, cada vez mais, com discursos de campanha, polarizações ideológicas e promessas de poder terreno. O que era para ser abrigo espiritual corre o risco de tornar-se palanque.

O futuro do movimento evangélico no Brasil dependerá, em grande medida, da capacidade de suas lideranças em reconectar-se com as bases, compreender as inquietações das novas gerações e reencontrar o equilíbrio entre missão religiosa e engajamento cívico. Mais do que nunca, o sagrado e o político precisam voltar a ser diferentes, para que ambos sobrevivam com legitimidade e sentido.

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