A disputa em torno da Moratória da Soja ganhou novos capítulos com a audiência pública realizada nesta quarta-feira, 23 de abril, na Comissão de Agricultura do Senado Federal. O debate expôs a tensão entre produtores rurais e as grandes indústrias exportadoras de grãos sobre o futuro do acordo que impede a comercialização da soja plantada em áreas desmatadas da Amazônia após 2008, ainda que o desmatamento esteja dentro dos limites legais do Código Florestal.
Para os agricultores, a Moratória da Soja virou sinônimo de injustiça e imposição estrangeira. Representantes de entidades como a Aprosoja Brasil e a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) foram enfáticos ao afirmar que o acordo desrespeita a legislação brasileira, cria barreiras econômicas e penaliza produtores que agem dentro da lei.
“Essa moratória afronta nossa soberania. O produtor brasileiro é tratado como criminoso, mesmo cumprindo as regras do Código Florestal. Quem impõe isso é um mercado externo que não entende a realidade de quem vive e produz na Amazônia”, disse Lucas Costa Beber, presidente da Aprosoja-MT, durante o encontro.
Já do lado das indústrias, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), por meio de seu presidente-executivo André Nassar, tentou mediar os extremos e propôs um meio-termo. Para ele, a Moratória da Soja precisa ser reformulada, mas não pode ser simplesmente encerrada, pois é uma exigência do mercado internacional, especialmente o europeu, que não quer comprar soja produzida em áreas desmatadas da floresta amazônica.
“O objetivo não é acabar com a moratória, nem manter como está. Precisamos de uma versão mais moderna, que continue abrindo mercado lá fora e, ao mesmo tempo, respeite a realidade do produtor brasileiro. Um consenso que agrade a todos não vai existir, mas é possível encontrar uma solução viável”, afirmou Nassar.
A divergência, no entanto, é profunda. Enquanto as indústrias querem mudanças no acordo para mantê-lo compatível com as exigências internacionais, os agricultores pedem sua extinção ou, no mínimo, que a adesão seja opcional.
Fabrício Rosa, diretor-executivo da Aprosoja Brasil, sugeriu justamente isso: tornar a moratória uma escolha para os produtores que quiserem acessar o mercado europeu, assumindo os custos extras para a segregação da soja produzida nessas condições. “Não somos contra quem quiser cumprir a exigência europeia. Mas isso não pode ser uma regra imposta a todos”, defendeu Rosa.
A estimativa da Aprosoja é que pelo menos 4,2 mil agricultores de Mato Grosso sejam prejudicados pelas atuais regras da moratória, o que afeta cerca de 2,7 milhões de hectares. Desse total, 1,8 milhão de hectares estariam impedidos de comercializar soja, gerando uma perda econômica estimada em R$ 20 bilhões, ao considerar a produção de soja e milho que deixa de ser aproveitada.
André Dobashi, da CNA, foi ainda mais direto: “A moratória é ilegal. É uma tentativa de criar uma lei paralela, acima da Constituição. Além disso, ela concentra o mercado nas mãos de poucas tradings e retira o potencial de desenvolvimento de muitas regiões amazônicas.”
O embate também se estende para o campo jurídico. Em 2024, os estados de Mato Grosso e Rondônia aprovaram leis que tiram benefícios fiscais de empresas que impõem restrições aos produtores por meio de acordos privados, como a Moratória da Soja. A medida gerou polêmica e duas ações de inconstitucionalidade foram levadas ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Em dezembro do ano passado, o ministro Flávio Dino concedeu uma liminar suspendendo a lei de Mato Grosso. Desde então, o tema está sendo debatido na tentativa de uma conciliação, mas o julgamento final ainda não tem data para acontecer.
No fundo, a discussão gira em torno de um dilema central: como conciliar a preservação ambiental com o direito dos produtores de usar suas terras dentro da lei brasileira? A moratória, que começou em 2008 como um acordo emergencial, ganhou contornos de política permanente, mesmo após a aprovação do novo Código Florestal em 2012.
Hoje, com a crescente pressão internacional por cadeias produtivas livres de desmatamento e a entrada em vigor da lei da União Europeia que proíbe importações oriundas de áreas desmatadas, o debate se torna ainda mais relevante e urgente. O futuro da soja brasileira, principalmente da produzida na Amazônia Legal, está em jogo.
A audiência mostrou que, pelo menos por enquanto, produtores e indústrias seguem distantes de um acordo. A única certeza é que o debate vai continuar acalorado nas próximas semanas, dentro e fora do Congresso Nacional.
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