Mato Grosso do Sul, 7 de julho de 2025
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Dez anos da lei das domésticas expõem luta por direitos ainda negados e raízes da desigualdade no Brasil

Apesar dos avanços legais, trabalhadoras domésticas continuam enfrentando informalidade, baixos salários, discriminação e heranças históricas da escravidão. Categoria clama por inclusão plena e respeito
Imagem - Em Tempo/Divulgação
Imagem - Em Tempo/Divulgação

A trajetória de quem dedica a vida ao trabalho doméstico no Brasil é marcada por contrastes profundos entre os avanços legais conquistados e a dura realidade vivida em lares por todo o país. Passados dez anos da promulgação da Lei Complementar 150, conhecida como Lei das Domésticas, a regulamentação que consolidou os direitos da categoria ainda não se traduz em cidadania plena nem em reconhecimento efetivo.

Aprovada em 2015 com o objetivo de regulamentar direitos estabelecidos anteriormente pela Emenda Constitucional 72, a chamada PEC das Domésticas, a Lei Complementar 150 representou um marco histórico na tentativa de reparar uma das formas mais persistentes de desigualdade laboral no Brasil. No entanto, a informalidade continua sendo regra, a exclusão das diaristas permanece sem solução e a resistência patronal à formalização do vínculo expõe a permanência de um estigma social profundamente enraizado.

Realidade distante da legalidade

De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), o Brasil contava, em 2022, com cerca de 5,9 milhões de trabalhadores domésticos. Desses, impressionantes 91% são mulheres, e sete em cada dez são negras. Apesar da expressiva maioria feminina e da responsabilidade de sustentar suas famílias — mais da metade são chefes de domicílio — apenas 20% tinham carteira assinada.

A informalidade, segundo lideranças do setor, é o reflexo direto do modo como a sociedade ainda trata a profissão. Para Maria Izabel Monteiro, presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município do Rio de Janeiro, o trabalho doméstico é alvo de negligência institucional e social. “A sonegação vem porque a própria sociedade vê um valor social menor neste trabalho. A classe média alta não considera o trabalho doméstico como profissão, mas não abre mão de ter uma trabalhadora em casa”, afirma.

Ela defende a ampliação da fiscalização, com operações específicas em condomínios e residências, além de campanhas públicas de conscientização. “Quem emprega precisa entender que está contratando um profissional com direitos, e não alguém ‘da família’”, acrescenta.

Diaristas à margem da proteção legal

Um dos principais desafios atuais enfrentados pela categoria é a exclusão das diaristas da proteção conferida pela legislação. Para a coordenadora da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Creuza Maria Oliveira, é urgente revisar os critérios legais e ampliar o alcance da lei. “A diarista realiza o mesmo tipo de trabalho, mas sem qualquer direito assegurado. Isso gera uma nova camada de precarização”, critica.

A legislação atual também apresenta outras limitações. As trabalhadoras domésticas continuam excluídas do abono salarial (PIS), recebem apenas três parcelas de seguro-desemprego, com valores limitados, e enfrentam obstáculos burocráticos para garantir esses benefícios. “É como se os nossos direitos fossem sempre parciais”, desabafa Maria, que atua como babá no Rio de Janeiro desde os dez anos de idade.

Herança da escravidão e invisibilidade estrutural

A desigualdade que atinge as trabalhadoras domésticas não pode ser dissociada da história do Brasil. Para a assistente social e ativista Anazir Maria de Oliveira, pioneira na luta da categoria, a raiz da desvalorização está no passado escravocrata. “O fim da escravidão não garantiu oportunidades iguais. Muitas mulheres negras passaram a trabalhar nas casas das elites, em uma relação que perpetuava os abusos e a exploração”, afirma.

A deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), autora da PEC das Domésticas, compartilha a mesma leitura. Segundo ela, o país precisa enfrentar não só a informalidade, mas também as formas modernas de escravidão ainda presentes no trabalho doméstico. “Temos tido avanços, mas ainda não concluímos a tarefa de garantir que todas as trabalhadoras tenham seus direitos cumpridos”, ressalta.

Casos de trabalho doméstico análogo à escravidão continuam sendo denunciados no Brasil, envolvendo jornadas exaustivas, retenção de documentos, violência física e psicológica. Para denunciar esse tipo de crime, as trabalhadoras podem acionar o Disque 100, utilizar o sistema Ipê do Ministério do Trabalho e Emprego ou registrar a queixa no site do Ministério Público do Trabalho.

Retratos da desigualdade cotidiana

Tâmara*, mãe solo de duas crianças e empregada doméstica registrada em São Paulo, divide-se entre a jornada formal e trabalhos como folguista para complementar a renda. Seu relato escancara a dureza da rotina: “A gente dá nosso tempo, nosso carinho, cuida dos filhos, dos pais, dos idosos, e muitas vezes é maltratada, desrespeitada. Falta reconhecimento”.

Segundo a PNAD, em 2022, quatro em cada dez trabalhadoras domésticas viviam em situação de pobreza ou extrema pobreza. O perfil majoritário é de mulheres negras, com baixa escolaridade, e que enfrentam múltiplas jornadas de trabalho, físicas e emocionais, todos os dias.

Revisões legais e o futuro da categoria

Atualmente, o governo federal avalia a possibilidade de equiparar integralmente os direitos das trabalhadoras domésticas aos dos demais trabalhadores formais, incluindo a extensão do PIS, maior proteção no seguro-desemprego e a regulamentação das diaristas. A subsecretária de Estudos do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Paula Montagner, admite a complexidade do tema e a necessidade de debate público. “É preciso construir um caminho legal e socialmente aceito, com participação do Congresso Nacional e da sociedade civil”, afirmou.

Ela também defende maior articulação entre os órgãos de fiscalização, assistência e justiça, com políticas integradas para combater abusos e promover a formalização.

Reconhecimento como chave da transformação

A Lei Complementar 150 estabeleceu direitos importantes, como jornada semanal de até 44 horas, pagamento de horas extras, adicional noturno, FGTS obrigatório, indenização em caso de demissão sem justa causa e descanso semanal remunerado. Porém, conforme pontua Creuza Oliveira, da Fenatrad, o desafio está na efetividade desses direitos. “Décadas se passaram sem que essas mulheres recebessem nada. A resistência à formalização está enraizada, mas não podemos aceitar isso como normal”.

O reconhecimento do trabalho doméstico como profissão digna e essencial não é apenas uma reparação histórica. É a base para a construção de uma sociedade mais justa, onde todas as formas de trabalho sejam valorizadas e todas as trabalhadoras respeitadas.

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