Em uma década, a falta de chuvas causou perdas de US$ 80 bilhões nas lavouras de soja nos cinco Estados que dominam a produção da oleaginosa no país. Para fazer o cálculo, o pesquisador José Renato Farias, da Embrapa Soja, que coordena o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), analisou o desempenho das lavouras entre as safras 2014/15 e 2023/24 em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rio Grande do Sul e Paraná, que respondem por 75% da produção nacional do grão.
“É uma perda monetária grande, que atinge diretamente o bolso do produtor de soja”, disse Farias ao Valor. “Mas o impacto sobre a economia é muito maior, tendo em vista que a cadeia do grão é responsável pelos custos de produção de outras atividades agrícolas, como avicultura, suinocultura e produção de ovos”.
Para chegar ao montante, o pesquisador considerou um preço médio de US$ 500 para a tonelada de soja. Na análise das últimas dez safras, Farias trabalhou com médias móveis de produção de cinco anos — considerando-se dois anos antes e dois depois da safra em análise — e projetando-se as perdas para a área plantada na última safra (2023/24), estimada em 45,8 milhões de hectares para os cinco Estados.
Uma safra inteira “sumiu”
Segundo ele, esses cinco Estados deixaram de colher cerca de 160 milhões de toneladas por causa da seca. “Ou seja, a perda corresponde a mais de uma safra brasileira de soja”, completa. Na temporada 2023/24, o Brasil colheu 147,3 milhões de toneladas da oleaginosa.
O pesquisador destaca que o Rio Grande do Sul que tem perdido, praticamente, uma safra a cada quatro é o Estado mais suscetível a estiagens. O Paraná, o segundo Estado que mais tem tido prejuízos, perde, em média, uma safra a cada seis que colhe.
Além de a baixa umidade do solo afetar o desenvolvimento da soja, a seca também favorece o surgimento de doenças que afetam a fertilidade da área, explica o pesquisador. Em períodos de temperaturas acima da média, a escassez de chuva somada à alta radiação solar acentua os danos às lavouras.
Farias chama a atenção, ainda, para o fato de que, no Brasil, 95% da área de soja é plantada com a técnica sequeiro, em que não há irrigação. “Tem que haver um volume de chuva ideal, que atenda às necessidades da planta, o que significa chuvas muito bem distribuídas ao longo de todo o ciclo, principalmente no período reprodutivo”, afirma.
A pior safra da minha vida
Foi justamente a má distribuição da chuva, além do pouco volume, que comprometeu a safra 2021/22 do produtor paranaense Marcelo Teles, que produz soja em 96,8 hectares em Palotina, no oeste do Paraná. Ele conta que a região, de clima quente, tem sofrido mais nas últimas quatro safras.
Com chuva muito abaixo da média e calor intenso, aquele ciclo, para ele, foi um “caos”. O resultado da seca foi devastador para Teles, que esperava colher uma média de 66,1 sacas por hectare e obteve apenas 2,6 sacas por hectare. O agricultor conta que até hoje espera a indenização do seguro rural, que segue na etapa de recurso judicial.
Para não se endividar, ele precisou direcionar a renda de outras atividades agrícolas da propriedade — piscicultura e avicultura para cobrir os custos da oleaginosa. “Temos compromissos financeiros a cumprir e investimentos que não pudemos fazer”, conta.
Edmilson Zabott, presidente do Sindicato Rural de Palotina, diz que a seca tem criado situações de extrema dificuldade. “Nossos produtores estão muito descapitalizados, e isso tem feito cair os investimentos em culturas como a soja”, afirmou. Zabott reforça que é necessário adotar programas de renegociação de dívidas e de extensão de prazos para pagamento.