Mato Grosso do Sul, 1 de junho de 2025
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Empresa desconhecida movimentou milhões do Consórcio Guaicurus: Vereadores investigam irregularidades no transporte coletivo

Suspeita de repasses milionários a empresa fora do consórcio, ausência de documentação e processos administrativos parados levantam questionamentos sobre a gestão do transporte público da capital sul-mato-grossense
Imagem - Assessoria Parlamentar/CMCG
Imagem - Assessoria Parlamentar/CMCG

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal de Campo Grande, instaurada para apurar possíveis irregularidades na gestão do contrato do transporte coletivo urbano, revelou recentemente uma movimentação financeira suspeita envolvendo a Viação Cidade dos Ipês. Embora formalmente fora da composição societária do Consórcio Guaicurus, responsável pela operação do sistema de transporte da capital de Mato Grosso do Sul, a empresa recebeu, entre os anos de 2016 e 2021, um total de R$ 31 milhões oriundos de repasses das concessionárias integrantes do consórcio.

A descoberta foi feita pela Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos de Campo Grande (Agereg), conforme afirmou José Corsine da Silva, diretor de Fiscalização e Auditoria Contábil da autarquia, durante a oitiva da CPI realizada na Câmara Municipal. Segundo ele, a Viação Cidade dos Ipês foi identificada nos demonstrativos financeiros do consórcio, embora não constasse na estrutura oficial do grupo.

“Essa empresa aparece em uma movimentação atípica. Só pelo balanço do Consórcio Guaicurus nós não conseguimos identificá-la; nós a identificamos por meio das demonstrações financeiras. Eu verifiquei que a Viação Cidade Morena movimentou R$ 23,5 milhões e a Viação Campo Grande enviou R$ 8,1 milhões para essa empresa”, relatou Silva aos parlamentares.

Apesar de a Agereg ter conhecimento das transferências desde 2021, a investigação interna da agência permanece inconclusa em razão da complexidade do caso. De acordo com José Corsine, a explicação formal dada pelo consórcio é de que as transferências referem-se à movimentação de 60 ônibus da Viação São Francisco para as empresas Viação Campo Grande e Viação Cidade Morena, com a intermediação da Viação Cidade dos Ipês.

“Eles responderam que os investimentos constantes na Cidade dos Ipês são referentes a transferências de veículos da Viação São Francisco para a Viação Campo Grande e para a Viação Cidade Morena, feitas com a anuência do poder concedente”, afirmou Corsine. No entanto, ele ressaltou que buscou tal anuência nos registros administrativos e não encontrou qualquer documento que comprovasse a legalidade dessa operação.

Em consulta realizada pelo jornal Correio do Estado ao Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), foi constatado que a Viação Cidade dos Ipês foi fundada em 2016 e teve suas atividades encerradas oficialmente em 2023. Compunham seu quadro societário a Viação Cidade Morena Ltda., a Viação Campo Grande Ltda., além dos empresários Roberto Carvalho Brandão e Helio Dalmaso Meneghin.

Roberto Carvalho Brandão, sócio da Viação Campo Grande desde 1998, e Helio Dalmaso Meneghin, empresário do ramo de transporte rodoviário e diretor da empresa Pássaro Marron, com atuação no estado de São Paulo, figuram como protagonistas no enredo desta trama empresarial que agora está sob o escrutínio dos vereadores de Campo Grande.

O tema já havia surgido na oitiva do ex-diretor da Agereg, Odilon de Oliveira Júnior, realizada na semana anterior à de José Corsine. Oliveira Júnior revelou ter notado a existência de investimentos suspeitos direcionados à Viação Cidade dos Ipês e, diante disso, determinou uma análise técnica da equipe da agência, que confirmou a realização dos repasses milionários.

“Notei um investimento em uma empresa estranha ao próprio consórcio”, declarou o ex-diretor aos parlamentares. Sua declaração reforçou as suspeitas de que os repasses à Viação Cidade dos Ipês podem ter ocorrido à margem da legalidade e sem a devida transparência que se espera de uma concessão pública.

Outro ponto revelado na oitiva da CPI foi a precariedade administrativa da Agereg nos primeiros anos da atual gestão municipal. O procurador municipal de Regulação dos Serviços Públicos, Rodrigo Koei Marques Inouye, também ouvido pelos vereadores, revelou ter assumido o setor responsável pela fiscalização dos contratos do Consórcio Guaicurus com aproximadamente 3,3 mil processos paralisados.

“No começo da gestão do prefeito Marcos Trad, não tinha arquivos nos computadores. Não tinha nada nos computadores, pelo menos no setor jurídico, e fomos tentar entender sobre os processos parados. Cheguei em uma sala com dois computadores e uma mesa cheia de processos”, relatou Inouye, que ingressou no serviço público em 2017 e, no ano seguinte, assumiu a procuradoria jurídica da Agereg.

De acordo com ele, a maioria desses processos referia-se a multas relacionadas à atuação do Consórcio Guaicurus, acumuladas desde o início da concessão, em 2012, até 2018. A falta de competência administrativa da agência para julgar infrações de trânsito e aplicar penalidades teria contribuído para a estagnação desses processos, que permaneceram paralisados por anos.

Levantamento apresentado à CPI aponta que, entre 2020 e 2025, foram analisados 4.090 recursos administrativos apresentados pelo Consórcio Guaicurus. Destes, 2.344 foram julgados desfavoravelmente ao grupo, enquanto cerca de 840 ainda aguardam julgamento.

A CPI do Transporte Coletivo da Câmara Municipal de Campo Grande foi instalada justamente para investigar tais irregularidades no contrato de concessão e na execução dos serviços públicos prestados pelo Consórcio Guaicurus. As investigações abarcam a gestão dos recursos financeiros, a legalidade dos repasses, as possíveis práticas de enriquecimento ilícito, a negligência na fiscalização do serviço e a ausência de mecanismos administrativos eficazes para garantir a qualidade do transporte coletivo na cidade.

O consórcio é composto atualmente pelas empresas Viação Cidade Morena, Viação Campo Grande, Viação São Francisco e Jaguar Transporte Urbano. A CPI busca esclarecer se houve favorecimento indevido, lavagem de dinheiro ou mesmo a prática de fraude em operações financeiras que deveriam ter como única finalidade a melhoria do sistema de transporte público para a população campo-grandense.

Com oitivas semanais e ampla coleta de documentos, a CPI promete aprofundar ainda mais a investigação sobre o que, até aqui, já se configura como um dos mais relevantes escândalos relacionados ao transporte coletivo urbano em Campo Grande.

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