Com “Maestro”, Bradley Cooper assume alguns riscos, mas a prudência sobressai. Como sói acontecer nas cinebiografias que se pretendem a escrutinar a vida de gente muito famosa, naturalmente controversa e insubmissa a rótulos, tudo acaba por virar motivo ou para edulcorações narrativas, ou, por lado, para que se intensifique a personalidade anômala do biografado, ansiando-se por justificar ou normatizar posturas duvidosas.
Leonard Bernstein (1918-1990) teve uma vida extraordinária; o regente que melhor conseguiu infiltrar-se na cultura pop valendo-se para tal do cinema, sobretudo foi ele mesmo um grande astro, rivalizando com os mais sedutores galãs de Hollywood, alguns dos quais amarfanharam seus lençóis sem culpa de parte a parte, mesmo depois do casamento de Bernstein com a atriz costarriquenha Felicia Montealegre (1922-1978), em 1951, o ponto alto da sinfonia furiosa que o maestro compôs para além das partituras, captado com agudeza e suavidade pelo texto, de Cooper e Josh Singer, vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original por “Spotlight: Segredos Revelados” (2015), dirigido por Tom McCarthy, em 2016.
O diretor faz um passeio ora aprazível, ora turbulento pela intimidade e, o mais louvável, pelos bastidores da carreira singular de Bernstein ao longo de quatro décadas, cercando-se de detalhes básicos, a exemplo dos figurinos de Mark Bridges e da fotografia de Matthew Libatique. Na primeira sequência, um irreconhecível Cooper encarna o protagonista com a técnica e o sentimento de praxe, recebendo uma equipe de filmagem em sua portentosa mansão ensolarada, o trampolim para que o diretor entre em cena e leve a trama ao passado remoto de Lenny, em preto e branco. Ele recebe um telefonema as nove e meia da manhã e pula da cama, onde dorme um rapaz. Veste-se às pressas e corre para o Carnegie Hall, na Sétima Avenida, onde tem a oportunidade de substituir o maestro residente, o alemão Bruno Walter (1876-1962), surpreendido por um mal-estar qualquer.
A Orquestra Sinfônica-Filarmônica de Nova York experimenta um súbito renascimento, Bernstein é ovacionado, e o resto é história, ou melhor, uma pequena fração dela. De lá, a revelação da música erudita estende sua influência para o mundo, aprimorando-se obsessivamente até que se julgasse apto a recriar os seis minutos da Sinfonia nº 2 da “Ressurreição” (1888) de Gustav Mahler (1860-1911) na Catedral de Ely em Londres, em 1973. Entre um e outro trabalho, entra Montealegre, com Carey Mulligan delicada como nunca, suportando os casos extraconjugais do marido com jovens concertistas por amor, mas também por uma espécie de orgulho.