A fila do INSS, que já era um drama antigo na vida dos brasileiros, agora ganhou um novo e pesado ingrediente: um esquema de fraudes que travou o sistema, fez milhões de pessoas aguardarem por meses e causou um rombo bilionário nos cofres públicos.
A Polícia Federal revelou que, entre janeiro de 2023 e maio de 2024, mais de 1,9 milhão de pedidos chegaram ao INSS só para que beneficiários pudessem retirar mensalidades descontadas de forma indevida por sindicatos ou associações. Desse total, mais de 1,1 milhão foram especificamente para excluir essas cobranças da aposentadoria. A grande maioria dos pedidos foi feita porque os próprios segurados informaram que nunca autorizaram esse desconto.
Segundo o relatório da Polícia Federal, cerca de 90% desses aposentados e pensionistas sequer sabiam que estavam filiados a alguma entidade. Eles só descobriram quando o valor sumiu do benefício. O prejuízo é gigante: foram quase 400 mil horas de trabalho desperdiçadas por servidores só para tratar dessa demanda. Isso corresponde a cerca de 49 mil dias úteis de trabalho, o que poderia ter sido usado para atender a quem realmente precisava dar entrada num benefício, aposentadoria ou pensão.
E o efeito dominó é devastador. A fila do INSS voltou a crescer em 2024, justamente no mesmo período em que o número de fraudes aumentou. O Governo Federal, tentando conter o colapso, editou uma Medida Provisória para retomar o pagamento de bônus para peritos, numa tentativa de acelerar os atendimentos. Mas a crise já tinha ganhado corpo.
A Controladoria-Geral da União (CGU) também entrou em campo. Segundo levantamento, só no primeiro semestre de 2024, 742 mil aposentados pediram para parar os descontos. O número é o dobro do segundo semestre de 2023 e quase seis vezes maior do que no primeiro semestre daquele ano. Para a CGU, o salto inesperado nos cancelamentos e nos valores cobrados acendeu o alerta vermelho.
E não é pouca coisa. Em 2021, foram R$ 536 milhões descontados das aposentadorias por causa desses vínculos sindicais. Em 2022, R$ 706 milhões. Em 2023, a cifra saltou para quase R$ 1,3 bilhão. E em 2024, o número já bateu R$ 2,8 bilhões, muito acima até do que a própria CGU havia projetado. Tudo isso sem o devido consentimento dos beneficiários.
A bomba explodiu de vez com a deflagração da Operação Sem Desconto, no dia 23 de abril. A ação da Polícia Federal incluiu buscas, apreensões e até prisões preventivas. A investigação atingiu diretamente a alta cúpula do INSS. O presidente do órgão, Alessandro Stefanutto, foi demitido, e outros quatro integrantes da chefia foram afastados.
Segundo os investigadores, o esquema fraudulento vinha acontecendo desde 2019 e se manteve ao longo de diferentes governos, atingindo tanto a gestão de Jair Bolsonaro quanto a atual administração de Luiz Inácio Lula da Silva. O golpe era silencioso, mas extremamente lucrativo: os valores iam de R$ 20 a R$ 50 por pessoa, parecendo pequenos, mas com milhões de filiações forçadas, geravam um faturamento absurdo para algumas entidades.
Para tentar conter os danos, a CGU recomendou ao INSS que bloqueasse imediatamente qualquer novo desconto associativo e reforçasse o controle sobre a autorização dos beneficiários. Mas o prazo dado para as mudanças venceu em outubro de 2024, e nenhuma das orientações foi cumprida.
Agora, com o escândalo exposto, a fila do INSS segue travada, milhares de pessoas continuam esperando e o país vê mais uma vez os aposentados pagarem a conta de um esquema que se aproveitou da confiança e da fragilidade de quem já contribuiu a vida inteira.
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