O registro do primeiro foco de gripe aviária de alta patogenicidade (H5N1) em uma granja comercial de matrizes em Montenegro, no Rio Grande do Sul, acendeu o sinal de alerta na avicultura brasileira e nos gabinetes do governo federal. Embora os impactos ainda sejam avaliados como contidos no plano macroeconômico, a cadeia produtiva do setor já sente os efeitos imediatos da suspensão de importações por parte de alguns dos principais parceiros comerciais do Brasil.
Desde o anúncio oficial na sexta-feira, dia 16 de maio, países como China, União Europeia, Coreia do Sul, África do Sul, México, Canadá, Chile, Argentina e Uruguai interromperam temporariamente os embarques de carne de frango brasileira. O Japão, por sua vez, optou por uma abordagem mais branda, restringindo apenas as compras oriundas do município afetado, conforme estipulado no acordo de regionalização sanitária firmado entre os dois países.
A lista de suspensões, no entanto, ainda pode crescer, e a estimativa inicial é de que os prejuízos atinjam entre US$ 500 milhões e US$ 1 bilhão em até doze meses, caso as exportações permaneçam comprometidas. O Brasil, maior exportador mundial de carne de frango, remeteu ao exterior cerca de 5,3 milhões de toneladas em 2024, gerando uma receita cambial de quase US$ 10 bilhões.
Na noite de domingo, dia 18, o painel oficial do Ministério da Agricultura indicava duas novas suspeitas em investigação, localizadas em granjas comerciais nos estados de Tocantins, no município de Aguiarnópolis, e de Santa Catarina, em Ipumirim. O avanço do vírus para outras regiões pode agravar ainda mais a crise, comprometendo os esforços do governo de restringir o foco e preservar a credibilidade sanitária do país.
A equipe econômica do governo federal, por ora, avalia que os impactos poderão ser administráveis e reversíveis, especialmente se forem bem-sucedidas as articulações diplomáticas conduzidas pelo Ministério da Agricultura e pelo Itamaraty. O ministro Carlos Fávaro declarou no sábado que o prazo de 60 dias previsto em alguns protocolos internacionais pode ser reduzido por meio de negociações. Ele ressaltou que a área afetada é localizada e que o rastreamento dos animais, aliado à desinfecção rigorosa, pode garantir a retomada dos embarques antes do fim do prazo sanitário.
Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), reforçou essa perspectiva. Segundo ele, caso os países importadores reconheçam a contenção eficaz do surto e se sintam seguros com as informações prestadas, há possibilidade de que as restrições sejam regionalizadas ou até mesmo revogadas antecipadamente. Santin acredita que o Brasil poderá recuperar seu status de país livre da gripe aviária entre 30 e 40 dias após a conclusão dos procedimentos sanitários.
Apesar da tensão, especialistas do setor econômico e do agronegócio afirmam que os reflexos na economia nacional serão limitados, ao menos no curto prazo. Para José Roberto Mendonça de Barros, economista da MB Associados, o maior efeito inicial será o aumento dos estoques internos e uma consequente queda nos preços da carne de frango no mercado doméstico.
“O consumidor pode ser beneficiado nos próximos dois meses com a redução dos preços, pois a oferta que não for exportada será absorvida pelo mercado interno”, explicou o economista, destacando que esse alívio será temporário. Os criadores, pressionados pela queda da rentabilidade, tendem a reduzir a produção e ajustar a oferta à nova demanda.
André Braz, coordenador de Índices de Preços da Fundação Getulio Vargas (FGV), também pondera que a maior oferta interna pode ajudar a conter a inflação, principalmente no caso dos ovos, cujo preço acumulou alta de 30% até abril, segundo o IPCA. Já o frango inteiro registrou aumento de 3,26% no mesmo período.
Contudo, esse movimento tende a se estabilizar. Como observa o economista Fábio Silveira, da MacroSector, os produtores não operarão no prejuízo por muito tempo. “Se as exportações diminuírem, os produtores reduzirão a quantidade de matrizes e, consequentemente, a produção”, afirmou. Além disso, ele chama atenção para o aumento previsto no custo do milho, principal insumo da ração avícola, o que pode pressionar ainda mais a margem de lucro dos avicultores.
Silveira também lamentou a coincidência do anúncio do surto com o retorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de visita oficial à China, principal destino das exportações de frango brasileiro. “Foi uma infeliz coincidência. Talvez o tema pudesse ter sido tratado com mais transparência e até de forma mais sensível no âmbito diplomático”, pontuou.
Apesar do cenário de incerteza, o governo e o setor produtivo apostam na capacidade de resposta rápida para minimizar as perdas e recuperar a confiança internacional. A expectativa é de que, com o controle rigoroso da disseminação do vírus e com uma estratégia diplomática eficaz, o país consiga reverter as restrições e retomar o ritmo de exportações ainda neste semestre.
Até o momento, o surto é tratado como um evento isolado. Para o professor Rafael Barisauskas, da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), ainda é cedo para associar a ocorrência a riscos maiores para a economia nacional. “O agronegócio é um dos motores da economia brasileira, mas um surto isolado não significa um comprometimento do crescimento do PIB”, avaliou.
A atuação coordenada entre autoridades sanitárias, representantes do setor e o governo será determinante para definir os próximos passos do Brasil diante do desafio sanitário que ameaça não apenas a economia, mas a reputação do país como líder global na produção de proteína animal.
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