O sistema de transporte coletivo urbano de Campo Grande voltou ao centro das atenções públicas após uma série de denúncias formalizadas por ex-funcionários do Consórcio Guaicurus, responsável pela operação dos ônibus da capital. As declarações prestadas à Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara de Vereadores expuseram um cenário alarmante de supostas irregularidades trabalhistas, más condições de trabalho e uma frota de veículos que estaria colocando em risco tanto a segurança dos trabalhadores quanto a dos passageiros.
Os relatos, colhidos em 11 de junho, motivaram a Câmara Municipal a encaminhar um ofício ao Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso do Sul (MPT-MS), que, diante da gravidade dos fatos narrados, instaurou em 23 de junho um procedimento preparatório para apuração. Com base no conteúdo das oitivas e nas informações divulgadas pela imprensa, o MPT definiu seis eixos de investigação prioritária que vão desde fraudes no registro de ponto até o estado da frota de ônibus.
Entre as principais denúncias estão o não pagamento de horas extras devidamente registradas, a imposição de jornadas exaustivas sem pausa para alimentação, descontos indevidos nos salários e a prática de assédio moral por sobrecarga funcional e perseguição. Além disso, o Ministério Público apontou como foco central a verificação das condições físicas dos ônibus, cuja precariedade teria impacto direto na saúde ocupacional dos motoristas, cobradores e demais funcionários, infringindo normas de ergonomia e segurança previstas na legislação trabalhista, em especial a Norma Regulamentadora 17 (NR-17), que estabelece parâmetros de conforto, postura, esforço e exposição ao ruído nos ambientes de trabalho.
A precariedade da frota foi narrada em detalhes pelo ex-motorista Wesley Moreli, que descreveu os bancos como deformados e desconfortáveis, obrigando os profissionais a conduzirem os veículos em posições inadequadas. “Já pegamos ônibus em que os motoristas tiveram que dirigir tortos”, relatou. Outro ex-funcionário ouvido pela reportagem corroborou o cenário, reforçando que essa situação se prolonga há anos e atinge também os passageiros, que muitas vezes enfrentam veículos superlotados, sem ventilação ou conforto mínimo.
O MPT requisitou ao seu setor pericial a realização de vistorias técnicas nos ônibus utilizados pelo consórcio. Paralelamente, notificou a direção do grupo para apresentação, no prazo de 30 dias, da relação completa de empregados e documentos trabalhistas das empresas envolvidas, como Viação Cidade Morena e Jaguar Transportes, que compõem o consórcio. Entre as preocupações está a troca de vínculo empregatício entre essas empresas, ocorrida no fim de 2023, o que pode ter causado descontinuidade nos direitos trabalhistas dos funcionários.
No campo institucional, surgiram indícios de negligência ou conivência de órgãos de fiscalização. A Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito), responsável pela regulação do setor, admitiu em audiência que não aplica multas por superlotação nos ônibus do Consórcio Guaicurus. Servidores da agência e da Agereg, outra autarquia vinculada ao transporte público, minimizaram ou negaram os relatos de veículos lotados, mesmo diante de denúncias recorrentes da população.
A situação descrita foi reforçada pelo ex-bilheteiro Gabriel Almeida, que também relatou mudanças irregulares no registro profissional e confirmou o uso recorrente de veículos antigos em más condições. O termo “sucata” passou a ser usado informalmente pelos trabalhadores ao se referirem aos ônibus utilizados nas rotas diárias da capital.
A investigação em curso visa verificar a extensão das ilegalidades, proteger os direitos dos trabalhadores e, sobretudo, garantir que o serviço essencial de transporte coletivo seja prestado com dignidade e segurança. A atuação do MPT poderá culminar em medidas judiciais e administrativas contra o Consórcio Guaicurus, além de pressionar o poder público a exercer sua função fiscalizadora de maneira mais efetiva.

Histórico do Consórcio Guaicurus
Criado em 2012 para unificar a operação do transporte público coletivo da capital sul-mato-grossense, o Consórcio Guaicurus é composto por quatro empresas: Viação Cidade Morena, Viação São Francisco, Jaguar Transportes e Viação Campo Grande. Desde sua formação, acumula queixas por má qualidade do serviço, aumento tarifário sem contrapartidas visíveis à população e má conservação dos veículos. O consórcio também foi alvo de ações judiciais e protestos populares ao longo dos últimos anos.
Próximos passos da CPI
A Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada pela Câmara de Vereadores segue com novos depoimentos previstos para o mês de julho. A expectativa é de que funcionários da Agetran, Agereg e representantes do Consórcio Guaicurus prestem novos esclarecimentos. Além disso, estão sendo requeridos relatórios de auditorias e contratos firmados entre o município e o consórcio desde sua criação.
A CPI pretende ainda ouvir passageiros e especialistas em mobilidade urbana para traçar um panorama mais amplo das consequências da má gestão do transporte coletivo. As conclusões da comissão poderão subsidiar recomendações ao Executivo municipal ou servir de base para encaminhamento ao Ministério Público e Tribunal de Contas.
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