Mato Grosso do Sul, 18 de junho de 2025
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Judicialização da saúde expõe falência do sistema público em Campo Grande

Em meio ao colapso da rede municipal, médicos orientam pacientes a buscarem a Justiça; defensoria confirma aumento de ações e população cobra gestão eficiente

Em Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, a crise na saúde pública deixou de ser circunstancial para se tornar crônica. Sem planejamento e estrutura mínima para atender a população, a administração municipal empurra médicos, pacientes e familiares para uma única alternativa de acesso à saúde: a via judicial. Em plena temporada de alta nas doenças respiratórias, a rede hospitalar da cidade voltou a apresentar sinais claros de colapso. Faltam leitos, exames, vagas em centros cirúrgicos e até insumos básicos, mesmo com a chegada do inverno, período em que historicamente há crescimento da demanda.

A orientação para judicializar o atendimento, algo que em outros tempos seria visto como último recurso, agora é sugerida pelos próprios médicos. Profissionais de saúde, diante da impotência, recomendam que pacientes procurem a Defensoria Pública ou o Ministério Público como forma de garantir um direito que lhes foi negado dentro da estrutura estatal. A conduta revela o grau de frustração da categoria diante de uma gestão que, ano após ano, repete a falta de preparo frente ao aumento previsível das internações.

Um caso recente, acompanhado por uma repórter, escancara essa realidade. Uma paciente de 62 anos, em tratamento, aguardava transferência para a realização de exames considerados complexos. Indagada sobre a previsão da vaga, a médica afirmou: “já foi solicitada, mas você também pode pedir judicialmente. Se quiser, me procura amanhã à tarde que eu preencho uma ficha e entrego para você”. A paciente, após quatro dias, conseguiu ser atendida, mas o episódio ilustra o quão comum se tornou essa sugestão.

A defensoria pública do estado confirma o cenário. Os processos ajuizados com pedidos de atendimento, exames e internações cresceram 24% em relação ao mesmo período do ano passado. Os dados revelam que o Poder Judiciário vem absorvendo uma responsabilidade que deveria ser exclusivamente do Executivo, transformando-se, de maneira forçada, em gestor suplementar da saúde pública.

Apesar da gravidade, o Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso do Sul informa que não recebeu denúncias formais contra médicos que orientem a judicialização. Para o vice-presidente da entidade, o médico psiquiatra Flávio Freitas Barbosa, não há infração quando o profissional, em sua função social, informa à família sobre alternativas disponíveis para preservar a vida do paciente. Segundo ele, “o direito à saúde é constitucional e os profissionais estão no dever de orientar”.

A secretaria municipal de saúde, por sua vez, admitiu em nota que médicos têm recorrido à recomendação da Justiça, principalmente para garantir procedimentos não contemplados pelo SUS, como órteses e próteses ortopédicas. Também reconheceu o crescimento nas ações judiciais para cirurgias ortopédicas, afirmando que há casos em que a única solução encontrada pelos profissionais é indicar o caminho judicial, sobretudo quando há materiais não ofertados pela rede pública.

A defensora pública Eni Maria Sezerino Diniz, que coordena o núcleo de atenção à saúde, confirma que os médicos são parte essencial no processo de judicialização, ao fornecerem laudos e fichas que subsidiam os pedidos. Mas alerta que nem todos os casos vão ao Judiciário, pois há uma triagem que considera a gravidade e urgência, respeitando inclusive a ordem das prioridades. Ela também critica a ausência de uma ação preventiva por parte da prefeitura. “Todos os anos, sabemos que haverá colapso. Mesmo assim, a estrutura não é reforçada. Não há preparação. Não houve adequação em 2025”, afirmou.

A defensoria anunciou que reunirá profissionais de saúde e gestores públicos no segundo semestre para discutir medidas estruturais e evitar novo colapso em 2026. “A transição entre verão e inverno é crítica. Há necessidade clara de mais leitos e estrutura”, reforçou a defensora.

A população, que convive com esse drama diariamente, expressa sua revolta. “Dinheiro tem, mas falta competência”, resume Maria das Dores, que acompanha o irmão em uma fila para cirurgia vascular. “Esperamos semanas para um retorno. Depois, mais semanas para um exame. Só conseguimos vaga quando o juiz mandou. Isso não é saúde, é abandono”, acrescenta José Henrique, aposentado que aguarda uma tomografia desde maio. Em frente às UPAs e centros regionais de saúde, o sentimento de abandono se repete. Pacientes relatam longas esperas, instalações precárias e total insegurança sobre o momento em que serão atendidos.

Em relato semelhante, dona Zuleide Santana, moradora do bairro Aero Rancho, desabafa: “a gente chega às 5 da manhã e sai à noite, sem saber se vai ser atendido. Eu só consegui cirurgia para o meu marido porque um advogado da família nos ajudou a judicializar. É triste, porque saúde deveria ser para todos”. Seu Valdir Lopes, pedreiro aposentado, completa: “o posto manda para a UPA, a UPA manda para o CRS, o CRS diz que não tem vaga e manda de volta. É um empurra-empurra que só adoece mais a gente”.

Marcelo Silveira, presidente do Sindicato dos Médicos de Mato Grosso do Sul, classifica a recomendação judicial como um grito de socorro. “Não é que os médicos estejam errados. Eles estão sem ferramentas. E o gestor é quem tem que dar essas condições. O médico vira a face do SUS, mas está de mãos atadas. Quando orienta a ir à Justiça, é por desespero”, afirma.

Silveira também critica a manutenção de pacientes em UPAs e CRSs, unidades que não são estruturadas para permanência prolongada. “São locais de passagem, mas as pessoas estão sendo mantidas por dias ali. Isso fere as normas técnicas e coloca vidas em risco. O médico quer salvar, mas o sistema joga contra”, finaliza.

A judicialização da saúde, portanto, é um termômetro de um sistema que falha em sua essência. Enquanto os pacientes recorrem à Justiça como única saída e os médicos se transformam em orientadores jurídicos, o poder público segue sem respostas concretas. Campo Grande não carece de recursos. Carece de gestão, planejamento e competência.

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