Mato Grosso do Sul, 6 de junho de 2025
Campo Grande/MS
Fuente de datos meteorológicos: clima en Campo Grande a 30 días

Lavouras de Soja avança sobre a Mata Atlântica e expõe novo ciclo de devastação ambiental no Brasil

Estudo revela expansão do cultivo sobre áreas desmatadas, reacende debate sobre preservação do bioma mais ameaçado do país e aponta a urgência de penalidades mais efetivas contra infratores ambientais

O avanço da produção de soja sobre a Mata Atlântica revela uma preocupante dinâmica de degradação ambiental no Brasil. De acordo com um levantamento divulgado pela plataforma de transparência Trase, em parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica, mais de 50 mil hectares de soja foram cultivados, em 2022, em áreas que haviam sido desmatadas nos cinco anos anteriores. Este dado representa o dobro do registrado no levantamento anterior, realizado entre 2015 e 2019, quando 22 mil hectares desmatados foram convertidos em lavouras da commodity.

O fenômeno se concentra principalmente nas áreas de fronteira agrícola dos estados do Rio Grande do Sul e Paraná, dois dos principais polos produtores de grãos do país. A expansão sobre a Mata Atlântica, o bioma mais devastado do Brasil, gera profunda preocupação entre ambientalistas, juristas e cientistas, sobretudo porque esta é a única formação natural brasileira protegida por uma legislação específica: a Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428/2006). Embora não preveja o desmatamento zero, a norma restringe drasticamente a supressão de vegetação nativa, autorizando-a apenas em casos excepcionais, de comprovado interesse público ou utilidade social.

Luís Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, enfatiza a gravidade da situação. “O desmatamento na Mata Atlântica devia ser marginal e próximo de zero. Em plena década de 2020 temos soja sendo produzida na Mata Atlântica em áreas desmatadas recentemente”, alerta o agrônomo. Embora reconheça que, em termos relativos, a área devastada possa parecer pequena, Guedes Pinto adverte para o impacto cumulativo da destruição: “É uma notícia extremamente relevante porque representa uma tendência preocupante de avanço contínuo e silencioso.”

O levantamento revela que, atualmente, 21% de toda a soja comercializada pelo Brasil tem origem na Mata Atlântica, o que corresponde a mais de 25 milhões de toneladas. Deste volume, 36% são exportados para a China, enquanto igual percentual permanece no mercado doméstico. Os outros 28% destinam-se principalmente à Coreia do Sul, Irã e Vietnã, mercados que mantêm relações comerciais significativas com o agronegócio brasileiro.

A análise conduzida pela Trase também identificou cinco grandes empresas tradings que possuem maior exposição ao desmatamento em suas cadeias de suprimento de soja nesta região. Paula Bernasconi, líder de engajamento na América do Sul da Trase, destaca o propósito da entidade: “Buscamos trazer mais sustentabilidade para o comércio internacional de commodities, com base em transparência e dados.” O mapeamento parte do município produtor brasileiro, passando pelos portos de exportação, pelas empresas exportadoras e importadoras, até alcançar o país de destino da soja. Contudo, Bernasconi reconhece a limitação do método: o sistema não identifica diretamente a responsabilidade de cada propriedade rural envolvida no desmatamento.

De acordo com Guedes Pinto, o padrão observado nas áreas devastadas não corresponde a grandes desmates, mas sim a um processo contínuo e fragmentado. “A dinâmica que notamos é de pequenos e médios desmatamentos que estão comendo a mata pelas bordas. Não se trata de abertura de áreas novas; a soja já estava lá. Mas, a cada ano, vão comendo mais um pedaço de Mata Atlântica para aumentar a área cultivada”, explica.

A Mata Atlântica é responsável por abrigar mais de metade da produção agropecuária brasileira em volume e historicamente foi o bioma que alimentou o país. “É muita soja que é produzida na Mata Atlântica, e isso não só nas regiões puramente agrícolas de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que são regiões de produção de grãos importantes na rotação de cultura com a cana-de-açúcar”, observa Guedes Pinto. O agrônomo alerta ainda que o atual estudo tem como objetivo ampliar a conscientização de que a soja não está restrita apenas ao Cerrado e à Amazônia. “Um quinto da soja produzida no Brasil está na Mata Atlântica.”

Dados do MapBiomas Alerta indicam que mais de 90% do desmatamento ocorrido na Mata Atlântica no período analisado apresenta indícios de ilegalidade. Embora o levantamento não tenha por finalidade averiguar a legalidade de cada supressão vegetal, Guedes Pinto destaca a incongruência entre os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e a persistência da devastação no bioma: “O mundo e o Brasil falam da Moratória da Soja. Temos soja sem desmatamento na Amazônia, soja sem desmatamento no Cerrado. E na Mata Atlântica vamos discutir se é legal ou ilegal? É obsceno ter soja com desmatamento na Mata Atlântica no século XXI.”

A Mata Atlântica é considerada o bioma brasileiro com a menor cobertura remanescente de floresta nativa e abriga a maior concentração de espécies ameaçadas de extinção. Além disso, sofre com crises hídricas recorrentes, provocadas pela perda de vegetação que compromete a capacidade de regulação dos ciclos de água. “É onde a população e a economia vivem risco de colapso por conta das questões ambientais”, sentencia Guedes Pinto.

Diante desta realidade, a legislação brasileira prevê penalidades rigorosas para quem promove o desmatamento ilegal. A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) estabelece sanções que vão desde multas, que podem ultrapassar R$ 50 milhões, até restrições de crédito rural, suspensão de atividades e, nos casos mais graves, detenção de um a três anos para quem destruir ou danificar florestas de preservação permanente, como é o caso da Mata Atlântica.

Além das sanções administrativas e penais, a legislação impõe obrigações de reparação do dano ambiental. O infrator é obrigado a restaurar a área degradada, com a recomposição da vegetação nativa, ou, em caso de impossibilidade técnica, promover compensação ambiental em outra área de igual importância ecológica.

Por outro lado, especialistas destacam que a efetividade das punições depende de fiscalização adequada e da atuação integrada entre órgãos ambientais, Ministério Público e Poder Judiciário. A fiscalização, muitas vezes, é dificultada pela fragmentação das propriedades, pela insuficiência de recursos humanos e tecnológicos e por pressões econômicas locais.

A expansão da soja sobre a Mata Atlântica expõe, mais uma vez, a necessidade de fortalecimento das políticas públicas de proteção ambiental e de promoção de uma produção agrícola verdadeiramente sustentável. O Brasil, enquanto potência agrícola e detentor de uma das maiores biodiversidades do planeta, enfrenta o desafio de equilibrar crescimento econômico e preservação ambiental, sob o olhar atento da comunidade internacional.

#DesmatamentoZero #ProtecaoDaMataAtlantica #AgronegocioSustentavel #SojaESustentabilidade #CadeiaDeSuprimentos #CrimeAmbiental #PenalidadesAmbientais #SOSMataAtlantica #PreservacaoDoBioma #BiodiversidadeBrasileira #FiscalizacaoAmbiental #JusticaAmbiental

Suas preferências de cookies

Usamos cookies para otimizar nosso site e coletar estatísticas de uso.