A defesa do ex-presidente Lula tem acesso livre a milhões de arquivos hackeados em 2019 dos celulares de autoridades, e a assinatura de um termo de responsabilidade funciona como controle principal sobre o que é selecionado pelos advogados do petista.
A ordem, do ministro Ricardo Lewandowski, foi mantida em julgamento com outros quatro ministros da corte, no último dia 9 de fevereiro.
Memorando escrito por um policial federal que participa da articulação para o cumprimento da decisão, anexada no procedimento no STF, diz: “Será redigido um Termo de Responsabilidade em que o advogado e o assistente técnico designados assumirão o compromisso, sob as penas da lei, de que somente selecionarão os arquivos que digam respeito direta ou indiretamente à defesa do reclamante, não havendo arquivos que digam respeito exclusivamente a terceiros”.
A reportagem questionou a Polícia Federal sobre como é feita a triagem para que nada que se refira exclusivamente a terceiros seja copiado, mas a corporação afirmou apenas que cumpre o que está expresso nas decisões judiciais.
Ofício da PF no Supremo diz também: “A relação dos arquivos selecionados será encaminhada ao Poder Judiciário para conhecimento e medidas que entenda cabíveis, salientando que este subscritor [policial] e os peritos criminais designados não têm como aferir o que seria relevante ou não aos interesses da defesa”.
Lula tem divulgado nas últimas semanas uma série de diálogos de procuradores e do ex-juiz Sergio Moro no aplicativo Telegram extraídos a partir do acesso autorizado pelo Supremo.
Esses trechos selecionados têm sido trazidos a público em relatórios elaborados por um perito particular e anexados publicamente no procedimento em tramitação no Supremo –vale lembrar que Lula e o PT foram fortes críticos do que chamavam de vazamentos seletivos das investigações da Lava Jato.
Os diálogos integram conversas hackeadas do celular do procurador Deltan Dallagnol, que também já havia sido obtidas em 2019 pelo site The Intercept Brasil. Posteriormente, a Folha de S.Paulo e outros veículos examinaram as trocas de mensagens e publicaram reportagens a respeito.
O material apreendido na Operação Spoofing possui sete terabytes, enquanto o arquivo enviado ao Intercept era de 43,8 gigabytes. Um terabyte equivale a 1.024 gigabytes.
As diligências dos advogados ainda estão em andamento. Na segunda-feira (1º), a defesa informou que aguardava a disponibilização de arquivos remanescentes da Spoofing pela Polícia Federal no Instituto Nacional de Criminalística, em Brasília.
As atas da reunião entre peritos da defesa de Lula e da PF dizem: “Os referidos advogados declararam que os arquivos por eles selecionados não dizem respeito exclusivamente a interesse de terceiros, cujo sigilo deverá ser preservado”.
Na lista de itens selecionados, há arquivos que eram trocados pelos procuradores no Telegram, como versões de minutas de acordos e ofícios, e outros roteiros de trabalho, como “Midias Sociais_orientacoes.docx”.
Em argumentação já vencida no Supremo, a Procuradoria-Geral da República afirmou que a medida de Lewandowski possibilita o acesso a arquivos de 176 pessoas hackeadas, incluindo ministros, magistrados, congressistas e até do presidente da República, Jair Bolsonaro, e de seus filhos.
“Elas tiveram a sua intimidade violada e o material relativo a suas conversas pessoais entregue ao presidente [Lula] sem qualquer tipo de controle”, disse em julgamento no último 9 a subprocuradora-geral da República Cláudia Sampaio Marques.
A subprocuradora diz que a liberação do acesso afeta centenas de outras pessoas que mantiveram conversas com as autoridades hackeadas. Para ela, Lewandowski fez apenas uma advertência formal para que o sigilo dos arquivos de terceiros fosse mantido.
“O senhor ex-presidente da República tem hoje em suas mãos um farto material de pessoas que não dizem respeito a ele, à Lava Jato, que não podem ser usadas para seu eventual exercício do direito de defesa”, disse.