Foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicada no Diário Oficial da União desta segunda-feira, 26 de maio, a lei que institui a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental. A nova legislação estabelece que o tratamento e o acolhimento das famílias que enfrentam a perda de um filho durante a gestação ou logo após o nascimento passem a integrar o Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo um atendimento mais sensível e humanizado.
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, foi um dos autores do projeto de lei quando ainda atuava como deputado federal. “Em 2019, construímos um projeto que foi fruto do diálogo com várias mulheres. Essa política define o que as maternidades precisam ter para cuidar daquelas mães e pais que perdem os filhos antes ou após o parto”, ressaltou o ministro.
Atualmente, apenas três hospitais no Brasil oferecem esse atendimento especializado: o Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB), o Hospital Materno de Ribeirão Preto, em São Paulo, e a Maternidade de Alta Complexidade do Maranhão, no Piauí. Com a nova lei, esse tipo de acolhimento será ampliado para todo o território nacional, promovendo uma assistência mais qualificada e humanizada.
Um dos pontos mais simbólicos da nova legislação é a alteração na Lei de Registros Públicos, que agora permite que os natimortos sejam registrados de forma oficial com o nome escolhido pelos pais. Antes, as certidões eram emitidas apenas com informações técnicas, como sexo, data de nascimento, local e filiação. A partir de agora, os filhos poderão ser registrados com os nomes planejados durante a gestação, reconhecendo a existência e a memória dessas crianças.
A legislação determina ainda a oferta de apoio psicológico especializado, exames para investigar a causa do óbito, acompanhamento de gestações futuras e espaços reservados para as pessoas enlutadas. Além disso, prevê a criação de protocolos clínicos e o treinamento das equipes para garantir um acolhimento mais adequado, respeitoso e humanizado.
O ministro Alexandre Padilha destacou a importância da aprovação do projeto como garantia de assistência qualificada às gestantes. “Nós sabemos que o luto materno e parental é uma dor silenciosa, mas que grita no coração das famílias. O Ministério da Saúde está ao lado dessas pessoas para acolher, respeitar e humanizar essa perda”, afirmou.
De acordo com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), entre 2020 e 2023, o Brasil registrou 172.257 óbitos fetais. A região Sudeste foi a que mais notificou casos, com 40.840 natimortos no período. Em 2024, segundo dados preliminares, foram contabilizados 22.919 óbitos fetais e 19.997 óbitos neonatais, de crianças com até 28 dias de vida.
O Ministério da Saúde articula, junto a instituições parceiras e universidades públicas, a construção de uma proposta de diretrizes para a área de forma participativa. O tratamento ao luto tem sido gradualmente inserido em ações da pasta, que estão em processo de atualização, reforçando o compromisso em oferecer um cuidado mais acolhedor, respeitoso e sensível às famílias que enfrentam perdas gestacionais, neonatais ou infantis.
O ambulatório de luto parental do Hospital Materno Infantil de Brasília, criado em 2013, é referência no acolhimento de famílias enlutadas. O serviço tem como objetivo acolher, avaliar, oferecer suporte terapêutico e tratamento para transtornos mentais decorrentes do trauma enfrentado pelas famílias que perderam seus filhos. Com uma média de 50 atendimentos mensais, o ambulatório é integrado à equipe de Cuidados Paliativos Perinatais e Pediátricos, e recebe pacientes encaminhados pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS).
Após avaliação psiquiátrica, as famílias são acolhidas pelos grupos e iniciam o tratamento com equipes multidisciplinares, formadas por psicólogo, enfermeiro e assistente social. “O que eu aprendo com essas famílias, nenhum livro ensina. A gente não tem o poder de curar o luto de ninguém. O que a gente faz é dar a mão e caminhar junto”, define a médica psiquiatra Maria Marta Freire, responsável pelo ambulatório.
Para a médica, a falta de acolhimento adequado pode aumentar o risco de desenvolvimento de transtornos mentais graves, como depressão. “O momento da despedida é muito importante no processo de luto. Às vezes, a mãe não consegue ver o bebê logo após o parto, mas, passado o choque inicial, ela quer ter esse momento. E nem sempre temos um espaço adequado para isso”, explicou.
A conselheira tutelar Elem Andrade, de 45 anos, que foi atendida pelo ambulatório há dois anos, relatou o impacto positivo do acolhimento em sua vida. “Sou muito grata a toda a equipe pela melhora que tive, porque naquele primeiro momento você está no fundo de um poço. Então, com a fala, o aconselhamento e o apoio deles, você começa a enxergar o mundo de uma outra forma. Hoje eu tenho mais sentimento e amor ao próximo”, reforçou.
Segundo a médica Maria Marta, o luto perinatal é invisível. “Muitas vezes, essas mulheres escutam frases como ‘Daqui a pouco você engravida de novo’, como se um filho substituísse o outro, mas não substitui. Quando a gente perde o marido, vira viúva. Quando perde os pais, vira órfão. Mas não existe um nome para quem perde um filho. Porque é o inverso da ordem natural da vida”, afirmou.
Julenir dos Santos, de 39 anos, é outra paciente que frequenta o ambulatório há seis meses. Moradora de Planaltina, no Distrito Federal, ela foi encaminhada para o grupo após a quarta perda de um filho. Segundo a operadora de caixa, essa foi a primeira vez que sentiu sua dor acolhida, principalmente com a mudança na lei de Registros Públicos. “Na minha última perda, eu estava com cinco meses. Já tinha nome para ela, mas na certidão não constava. Agora, com essa mudança, outras mães poderão dar nome à história delas”, declarou.
A nova lei representa um marco importante na política pública de saúde do Brasil, promovendo não apenas o reconhecimento formal do luto materno e parental, mas também a garantia de que as famílias possam vivenciar esse processo com o apoio e o respeito que merecem.
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