Mato Grosso do Sul, 14 de fevereiro de 2025
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Os brasileiros na indústria da carne irlandesa: entre as promessas e as dificuldades

Por trás de um sistema de recrutamento que promete estabilidade e boas condições financeiras, muitas empresas utilizam agências que buscam atrair brasileiros com promessas de salários atrativos e condições vantajosas
Os trabalhadores se tornam "favoritos" por sua disposição em enfrentar condições adversas
Os trabalhadores se tornam "favoritos" por sua disposição em enfrentar condições adversas

Nos últimos anos, um número crescente de brasileiros tem migrado para a Irlanda em busca de trabalho, especialmente na indústria da carne. Com a escassez de mão de obra local, essa área tem sido uma das principais responsáveis pela acolhida de imigrantes, sendo a carne irlandesa exportada para vários países europeus. Porém, a promessa de uma vida melhor se esbarra em duras realidades de trabalho, onde abusos e condições precárias têm sido uma constante.

O mercado de trabalho irlandês, especialmente em frigoríficos, oferece salários mais altos do que muitos brasileiros ganham em seu país de origem. Um dado revelador é que, em 2024, 66% das autorizações de trabalho emitidas para o setor de processamento de carne foram para brasileiros. A taxa de imigração brasileira para a Irlanda nunca foi tão alta, e muitos brasileiros veem essa oportunidade como uma forma de ascensão social. No entanto, a realidade que muitos enfrentam é bem diferente do que esperavam.

Condições de trabalho insalubres e abusivas

Relatos coletados pela BBC News Brasil apontam que os brasileiros que trabalham em frigoríficos enfrentam condições de trabalho precárias, muitas vezes insalubres. Comunicados internos da Embaixada do Brasil em Dublin, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, revelam uma série de abusos: turnos prolongados, funções múltiplas sem o devido treinamento, salários inferiores ao mínimo, e uma falta de segurança nos ambientes de trabalho. O medo de perder o visto de trabalho e ser forçado a retornar ao Brasil impede muitos imigrantes de denunciarem os abusos.

Um exemplo dramático é o de Guilherme dos Santos, que sofreu um acidente de trabalho e teve de amputar um dedo após um erro com uma arma de abate. Ele alegou que não havia recebido o treinamento adequado para usar o equipamento. “Eu senti muita dor. Não quero mais saber de frigorífico”, diz ele, embora ainda veja a migração para a Irlanda como uma chance de mudança. Outros trabalhadores, como Lucas dos Anjos, enfrentaram condições ainda mais degradantes, como jornadas de mais de 12 horas, e condições de trabalho comparáveis a um regime de “trabalho escravo”.

A relação entre trabalho e “sacrifício”

Apesar de tudo, muitos brasileiros veem os abusos como parte de um sacrifício necessário para alcançar uma vida melhor no futuro. “O euro vale muito no Brasil. A gente se acostuma com qualquer coisa”, afirma Lucas, refletindo o pensamento de muitos trabalhadores que, apesar de insatisfeitos com as condições, preferem ficar em silêncio para não comprometer suas chances de garantir uma cidadania europeia, que exige pelo menos cinco anos de permanência no país.

A mão de obra brasileira é considerada altamente valorizada pela indústria, justamente por sua disposição ao trabalho pesado e a experiência adquirida em frigoríficos no Brasil. No entanto, essa valorização vem acompanhada de uma certa exploração. Os trabalhadores se tornam “favoritos” por sua disposição em enfrentar condições adversas, como o clima frio e úmido, além da pressão para aceitar salários abaixo dos praticados com outros europeus no mesmo setor.

Recrutamento e “trabalho escravo”

Por trás de um sistema de recrutamento que promete estabilidade e boas condições financeiras, muitas empresas utilizam agências que buscam atrair brasileiros com promessas de salários atrativos e condições vantajosas. Contudo, muitos desses trabalhadores acabam em frigoríficos com jornadas intermináveis, longas horas extras não remuneradas e até mesmo violência verbal por parte dos supervisores. “Não tem tradutor, e quando você comete um erro, é xingado na frente de todo mundo”, conta um trabalhador que pediu para não ser identificado por medo de represálias.

A falta de uma fiscalização rigorosa por parte do governo irlandês agrava a situação. Embora a Comissão de Relações de Trabalho (WRC) tenha identificado irregularidades em diversas empresas, a falta de inspetores para realizar fiscalizações adequadas e frequentes faz com que muitos abusos permaneçam impunes.

Mudanças legislativas e resistência

Em resposta às críticas e ao aumento das denúncias, o governo irlandês lançou uma pesquisa com trabalhadores do setor no final de 2024, embora os resultados ainda não tenham sido divulgados. Além disso, algumas mudanças legislativas favoráveis começaram a ser implementadas, como a permissão para que cônjuges de trabalhadores imigrantes também possam trabalhar e a redução do tempo que o trabalhador precisa permanecer vinculado à mesma empresa.

Porém, a realidade de muitos trabalhadores brasileiros ainda é difícil. Organizações como o Migrant Rights Centre Ireland (MRCI) têm se empenhado em fornecer suporte jurídico e orientar os trabalhadores sobre seus direitos, ajudando a criar um movimento de resistência contra abusos. Maurício Lino, um dos líderes da comunidade brasileira em Dublin, relata como ele mesmo ajudou a organizar seus colegas e denunciar abusos, mesmo correndo o risco de ser rotulado como “ovelha negra” por brigar por condições melhores.

O futuro incerto

Para muitos brasileiros, a migração para a Irlanda não significa apenas trabalho, mas uma busca por um futuro melhor para suas famílias. No entanto, à medida que as dificuldades no setor da carne se intensificam, a pergunta que fica é: até que ponto vale a pena continuar enfrentando tanto sofrimento físico e emocional em busca de um sonho europeu? O futuro de muitos trabalhadores brasileiros na Irlanda continua incerto, com a esperança de uma vida melhor se misturando com a frustração de condições que, para muitos, não são tão diferentes daquelas que tentaram deixar para trás.

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