A pecuária de corte no Brasil costuma ser o alvo quando, no exterior, se fala em degradação do meio ambiente, emissão de gases do efeito estufa e desmatamento. Entretanto, o País tem tecnologia suficiente já aplicada em larga escala para manejar criações de forma sustentável e que, em vez de emissoras, sejam fortes sequestradoras de carbono. E, lógico, sem necessidade de desmatar mais para ampliar pastos.
“Sempre tento mostrar que a sustentabilidade na pecuária traz ganhos para todo mundo, não só para o Planeta”, ressalta o presidente da Mesa Brasileira de Pecuária Sustentável, Sergio Schuler. “Há um impacto menor no ambiente e também ganho de produtividade por causa da melhor gestão”, prossegue, reforçando que a pecuária sustentável é mais produtiva, consegue eliminar ineficiências e gerar um resultado melhor, “não só para o meio ambiente, mas também para o próprio negócio”.
“Este é o trabalho de convencimento que fazemos entre os pecuaristas para que eles sejam mais sustentáveis.” A Mesa Brasileira de Pecuária Sustentável reúne vários atores do setor pecuário, entre instituições de pesquisa e da iniciativa privada em favor da sustentabilidade do setor no País.
Entre as práticas de pecuária sustentável mais difundidas atualmente está a “Integração Lavoura-Pecuária”, ou ILP, na qual se reformam pastos degradados com o plantio de grãos. Por meio desta prática, é possível conseguir, na mesma área, três safras: sendo duas de grãos (safra de verão e de inverno) e uma de “boi”. E, se no sistema também for adicionada a floresta, no sistema ILPF integração Lavoura-Pecuária-Floresta, ainda se consegue uma quarta “safra”, a de madeira.
Tudo na mesma área, intensificando o uso da terra; deixando-a coberta 100% do tempo, ou seja, sem emitir gases do efeito estufa; tratando bem do solo, com maior formação de matéria orgânica, garantindo sombra para o gado e maior bem-estar animal e, para o produtor, otimização do uso da terra, com maior lucratividade e diversidade de renda. “Nas regiões onde isso é possível, planta-se soja, em seguida milho de inverno e ainda com o milho no campo, planta-se o pasto”, diz o sócio-diretor da Scot Consultoria, Alcides Torres. “Planta-se o capim e ‘colhe-se’ o gado.”
Se há alguém que duvide da existência de tecnologias existentes para recuperar, em larga escala, pastos degradados um dos principais problemas ambientais da pecuária de corte, basta checar os números do Observatório ILPF: atualmente, estima-se que 17,43 milhões de hectares já estejam trabalhados sob este sistema no País, ou pouco mais de 20% da área a ser semeada com grãos na atual safra, de 2023/24, de 78 milhões de hectares, conforme estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Ainda de acordo com os números da Rede ILPF, entre as safras 2015/16 e 2020/21, houve aumento estimado de 52% de áreas com ILPF no Brasil. “Somente entre 2010 e 2015, o incremento de 5,96 milhões de hectares ao sistema foi responsável pelo sequestro de 21,8 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente (CO2eq)”, diz a rede em seu site.
Outro fator que tem “empurrado” a pecuária de corte no caminho da maior produtividade e, consequentemente, da sustentabilidade, segundo Torres, da Scot, é o forte viés exportador do setor no Brasil. Especialmente uma exigência da China, que no ano passado adquiriu 60% de toda a carne bovina exportada pelo Brasil, acelerou a tecnificação da pecuária, avalia Torres. “A China exige carne proveniente de bovinos com até 30 meses de idade, ou 4 dentes, e isso acelerou o processo de modernização do setor”, comenta o consultor, acrescentando que, para abater bovinos mais jovens e no peso ideal, o sistema de criação como um todo tem de se aperfeiçoar.
Desde a formação de pastagens mais bem manejadas e produtivas, passando por animais de genética superior, melhor manejo sanitário e nutricional, além do bem-estar animal. “Nós já tínhamos tecnologia e conhecimento de causa em pastagens, confinamento de gado, semiconfinamento, manejo de pasto, ou seja, tudo aquilo que a pecuária tropical de corte exigia em excelência nós já fazíamos, e com bastante zelo”, diz Torres, acrescentando que a exigência da China “acelerou a adoção” desses processos, garantindo bovinos mais jovens com peso ideal ou até acima da média. “A idade média de abate de bovinos no País caiu bastante, sem que o peso médio de abate caísse, e, consequentemente, a emissão de gases do efeito estufa também caiu”, assinala.
Segundo dados levantados pela Scot Consultoria, entre 2006 e 2020, em Mato Grosso – principal produtor brasileiro de carne bovina –, o abate de bovinos com menos de 24 meses cresceu 900%, enquanto a quantidade de boiadas com mais de 36 meses se reduziu pela metade. Já o peso médio da carcaça de bovinos machos, desta vez no Brasil, aumentou 17% entre 2000 e 2020, de 588,9 quilos para 674,6 quilos por animal. “O peso médio dos bovinos abatidos no Brasil já supera o peso da carcaça de bovinos da Austrália, que é nosso grande concorrente”, diz Torres.
Do interior de São Paulo, no município de Buri, sudoeste do Estado, vem um exemplo do “estado da arte” na pecuária de corte no Brasil. Nas Fazendas União do Brasil (FUB), do médico veterinário Antonio Roberto Alves Correa, criador da raça de bovinos de corte Santa Gertrudis, abatem-se cerca de 4 mil animais por ano criados sob as melhores condições ambientais, sociais e de bem-estar animal, garante o também veterinário Anderson Fernandes, responsável pela pecuária na propriedade.
São sete fazendas localizadas no interior de São Paulo sendo a sede em Buri e três delas em Mato Grosso do Sul, para criação de bezerros. A fazenda-sede em Buri tem um total de 1.420 hectares, sendo 460 hectares de reserva legal e áreas de proteção permanente, ou seja, acima dos 20% exigidos por lei.