Em um cenário que mistura dor, insegurança e omissão, duas das principais rodovias federais que cruzam Mato Grosso do Sul, a BR-163 e a BR-262 ocupam posições de destaque em uma das estatísticas mais sombrias do País. De acordo com dados oficiais do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), as duas estradas estão entre as dez mais perigosas do Brasil, responsáveis por centenas de mortes e milhares de sinistros apenas no ano de 2024.
A BR-163, vital para o escoamento da produção agrícola e principal via de ligação entre o sul e o norte do estado, registrou, no ano passado, 2.516 acidentes, resultando em 240 óbitos. Esse número alarmante a colocou como a sexta rodovia mais letal do País. Já a BR-262, rota de ligação estratégica entre o centro-oeste e o sudeste do Brasil, também atravessando Mato Grosso do Sul até Corumbá, teve 1.837 sinistros e 152 mortes, figurando na nona posição do ranking nacional.
Os números, embora alarmantes, não representam novidade para os sul-mato-grossenses que utilizam essas rodovias diariamente. Moradores, motoristas profissionais, autoridades locais e até socorristas relatam as mesmas queixas: pistas estreitas, falta de acostamento, sinalização insuficiente, buracos constantes e longos trechos em péssimo estado de conservação. Tudo isso em estradas onde os pedágios são cobrados com regularidade, mas as contrapartidas previstas nos contratos de concessão seguem ignoradas.
A BR-163, por exemplo, teve sua concessão firmada em 2014, sob a promessa de duplicação integral do trecho entre Mundo Novo e Sonora. Mais de uma década depois, apenas 150 quilômetros foram duplicados, enquanto o restante continua com pista simples, mesmo diante do aumento do fluxo de veículos, especialmente caminhões. O resultado dessa equação é visível nos acidentes diários, muitos deles fatais, e no crescimento da tensão entre os usuários da via e a empresa concessionária.
Na BR-262, o retrato é igualmente preocupante. Com quase 2.200 quilômetros de extensão nacional, dos quais cerca de 700 cruzam Mato Grosso do Sul, a rodovia também apresenta trechos de conservação crítica, especialmente nas regiões próximas a Miranda, Anastácio e Corumbá. O volume de tráfego pesado e o trânsito de veículos de carga com destino à fronteira com a Bolívia são apontados como agravantes, numa via sem estrutura adequada para esse tipo de demanda.
Análise jurídica sobre o descumprimento contratual
Do ponto de vista jurídico-administrativo, o que se observa no caso dessas concessões é um flagrante desequilíbrio contratual. As cláusulas de contrapartida firmadas em contrato que preveem investimentos em duplicação, sinalização, manutenção constante da pista e melhorias estruturais não vêm sendo cumpridas de forma satisfatória. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que deveria atuar como órgão fiscalizador e regulador, tem se mostrado morosa, limitando-se a notificações e termos aditivos que prorrogam prazos sem garantir a efetividade das melhorias.
Segundo juristas especializados em direito público e concessões, há fundamento jurídico para a aplicação de sanções graves às concessionárias, inclusive com a possibilidade de cassação do contrato e retomada da malha por parte da União, sem indenização. Em tese, o artigo 38 da Lei nº 8.987/1995 (Lei das Concessões) autoriza a extinção do contrato por descumprimento de cláusulas regulamentares. No entanto, na prática, medidas como essa esbarram em pressões políticas, recursos judiciais e interesses econômicos que colocam em segundo plano a segurança dos cidadãos.
Acidentes trágicos revelam o custo humano do descaso
Casos recentes expõem a face mais cruel desse abandono. Em abril de 2024, um acidente envolvendo dois caminhões e uma van escolar na BR-163, próximo a Dourados, deixou nove mortos, entre eles três crianças. A perícia técnica apontou que o trecho não dispunha de faixa de ultrapassagem nem de recuo de emergência, o que comprometeu a possibilidade de manobra e agravou o impacto.
Na BR-262, em novembro do mesmo ano, uma colisão frontal entre um ônibus de turismo e uma carreta de combustível na região de Anastácio resultou em doze mortes e mais de vinte feridos. O local do acidente é conhecido por sua sinalização precária e curvas fechadas sem proteção lateral. Vítimas foram carbonizadas no interior do coletivo, e socorristas relataram dificuldades de acesso devido à falta de acostamento.
Pressão popular e questionamentos judiciais
A sucessão de tragédias vem gerando crescente pressão da sociedade civil e de representantes políticos de Mato Grosso do Sul. Em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa, representantes do Ministério Público Federal e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MS) cobraram a suspensão imediata dos contratos e a reavaliação de todas as concessões em vigor no estado.
Entidades como a Confederação Nacional do Transporte (CNT) alertam para o impacto econômico da situação. A logística de exportação da soja, carne e derivados está comprometida, com aumento do custo de transporte e risco constante para motoristas e passageiros. Segundo estudo da CNT divulgado em novembro de 2024, seriam necessários R$ 99,7 bilhões para restabelecer as condições mínimas de trafegabilidade e segurança em toda a malha federal brasileira.
Conclusão: a estrada da negligência e o direito à segurança
Enquanto os contratos são rediscutidos em gabinetes e os processos judiciais se arrastam, a vida de quem depende dessas rodovias segue marcada por risco, medo e insegurança. Cada quilômetro não duplicado, cada placa ausente, cada buraco ignorado transforma o asfalto em armadilha. E cada vida perdida revela não apenas o impacto do acidente em si, mas o retrato de um Estado que cobra pedágio sem oferecer proteção, e de concessionárias que lucram sem cumprir sua parte do pacto.
#Br163MatoGrossoDoSul #Br262Perigosa #AcidentesNasEstradas #MortesNoTrânsito #ConcessãoRodoviáriaDescumprida #DescasoComAsRodovias #DuplicaçãoParada #PerigoNasRodovias #TransportesEmCrise #RodoviasFederaisPrecárias #InvestimentoUrgente #SegurançaViáriaJá