A noite caiu em Campo Grande, mas a paciência de quem esperava por atendimento na UPA Universitário já tinha se esgotado muito antes do pôr do sol. A fila era longa, o clima pesado e o socorro que deveria chegar rápido parecia cada vez mais distante. Revoltada com o descaso, a paciente Christyna Rosa, de 39 anos, não viu outra saída: ligou para a polícia. Isso mesmo. Em vez de atendimento médico, precisou acionar a Polícia Militar para denunciar o que chamou de negligência no local.
Ela chegou à unidade às 14h de uma quinta-feira e só saiu às 21h47. Sete horas e quarenta e sete minutos esperando por atendimento após um acidente de trabalho. Precisava de um simples procedimento para dar início ao CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), mas saiu da UPA com a frustração estampada no rosto e a certeza de que a saúde pública da Capital está completamente doente.
E ela não foi a única a sofrer. Christyna presenciou cenas que retratam o caos: uma bebê com febre alta esperando horas por atendimento, uma criança de quatro anos picada por escorpião sentada no corredor, e até o momento devastador em que uma mãe foi informada da morte do filho baleado por um guarda civil. A notícia foi dada sem qualquer cuidado, em voz alta, no meio de outros pacientes. A mulher desabou ali mesmo, diante de todos.
A unidade estava cheia de guardas e a tensão era visível. Mas atendimento, que é bom, nada. “Eu pensei, não vou discutir, não vou perder a razão. Liguei para o 190”, contou Christyna. A resposta do policial foi desanimadora. Disse que ela deveria gravar um vídeo e mandar para a imprensa. Também sugeriu recorrer à Ouvidoria da Saúde, mas a paciente não tem mais fé nesse caminho. “A gente reclama, a Ouvidoria liga pra gerente do posto, que diz que nada aconteceu, e pronto. Fica por isso mesmo.”
A Secretaria Municipal de Saúde (Sesau) tratou logo de negar tudo. Disse que não houve entrada de criança picada por escorpião e que nenhum chamado à PM foi registrado. Ainda afirmou que, mesmo com o aumento da demanda, o funcionamento da unidade transcorreu “normalmente”. Mas que tipo de normal é esse? Porque o que se vê dentro das UPAs de Campo Grande é um cenário de abandono e descaso.
E o problema não é exclusivo da UPA Universitário. Relatos se multiplicam por toda a cidade. Falta médico, falta remédio, falta estrutura. Tem plantão que começa sem médico escalado, outros onde o profissional simplesmente não aparece. Tem gente indo embora sem atendimento, com dor, com febre, com ferimentos. E quando finalmente conseguem ser atendidas, muitas vezes ouvem que precisam fazer exames que demoram meses para ser marcados. Isso quando não faltam os próprios insumos básicos para realizá-los.
Na UPA Nova Bahia, moradores relatam que chegam a esperar por mais de seis horas e ainda saem com a receita vazia: não tem dipirona, não tem antibiótico, não tem nem gaze. E enquanto isso, a população se vira como pode, compra o que dá na farmácia ou simplesmente espera piorar. A sensação é de que a saúde em Campo Grande virou um campo de guerra, onde o povo tenta sobreviver como pode.
E pensar que, em 2025, a prefeitura reservou R$ 2,2 bilhões para a área da saúde. Onde está esse dinheiro? A promessa no papel não reflete a realidade nas unidades. É gente amontoada em cadeiras, é fila que dobra o quarteirão, é criança chorando de dor enquanto os médicos somem dos plantões e ninguém fiscaliza. É escassez de tudo e respeito de ninguém.
A saúde de Campo Grande virou um retrato da indignação popular. E a polícia, que deveria cuidar da segurança pública, agora virou o último recurso para quem tenta ser atendido. Porque quando o remédio não vem, o médico falta e a espera dura horas, o povo chama reforço. Mas não é ambulância. É viatura.
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