A saúde pública de Mato Grosso do Sul tem escrito uma nova narrativa onde o cuidado ultrapassa as paredes do hospital e encontra, no lar dos pacientes, o espaço ideal para a cura e o acolhimento. É essa transformação silenciosa e profunda que o SAD (Serviço de Atenção Domiciliar) do HRMS (Hospital Regional de Mato Grosso do Sul) tem promovido há 15 anos. Em 2025, o programa atingiu marcas históricas: 639 atendimentos registrados até julho, com 84 apenas no mês de maio — o maior volume desde sua criação.
O que esses números não mostram, mas os relatos escancaram, é o poder restaurador da presença contínua, qualificada e humanizada da equipe que integra o serviço. Profissionais de múltiplas áreas visitam semanalmente os pacientes que, embora não demandem internação hospitalar, continuam a necessitar de cuidados específicos. São pessoas em reabilitação, com doenças crônicas, em cuidados paliativos ou com quadros delicados que exigem vigilância e suporte técnico constante.
Histórias de afeto, superação e renascimento
No bairro onde vive a pequena Kyara, de 12 anos, o silêncio das máquinas contrasta com a serenidade no olhar da menina. Diagnosticada com paralisia cerebral e dependente de ventilação mecânica, ela encontrou no serviço domiciliar a chance de seguir em casa, longe das longas internações que marcaram seus primeiros anos de vida. Desde 2020, três vezes por semana, a família recebe a visita de uma equipe multidisciplinar que cuida de cada detalhe de sua saúde. “É uma bênção saber que ela está segura, recebendo tudo o que precisa, no nosso lar”, relata a mãe, emocionada.
Já para Gonçalo de Araújo Filho, a jornada foi de recuperação e conquista. Após enfrentar uma infecção cutânea severa e um choque séptico que o deixou em estado grave, ele encontrou na atenção domiciliar não apenas tratamento, mas sentido e ânimo para viver. Quatro meses depois, reabilitado, caminhou até o altar ao lado da filha no dia do casamento dela. “Eu achava que estava no fim. Mas aquela equipe acreditou por mim. A entrada na igreja foi o meu renascimento”, recorda, comovido.
Um cuidado que desafoga o sistema e promove autonomia
O SAD do HRMS é uma engrenagem estratégica na gestão da saúde pública estadual. Criado para desospitalizar pacientes de forma segura e responsável, o serviço libera leitos hospitalares, reduz custos e, ao mesmo tempo, proporciona um atendimento mais próximo e eficaz. Segundo o diretor-geral do HRMS, Paulo Limberger, o modelo domiciliar representa a medicina contemporânea em sua essência. “É a união entre eficiência, empatia e responsabilidade. Cada paciente que volta para casa com suporte técnico de qualidade é um símbolo de que estamos no caminho certo”, ressalta.
A equipe é composta por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais (adulto e pediátrico), psicólogos, assistentes sociais e profissionais administrativos. A partir de julho, nutricionistas também passam a integrar esse time. São profissionais que percorrem longas distâncias nos bairros dos distritos sanitários da Lagoa e do Anhanduizinho, em Campo Grande, para garantir o direito à saúde integral.
Critérios técnicos e acompanhamento rigoroso
Para fazer parte do programa, os pacientes passam por um rigoroso processo de triagem. Além da avaliação médica, são observadas condições sociais, localização da residência, apoio familiar e as necessidades clínicas específicas. Em maio, mês de maior demanda até o momento, o serviço recebeu 64 solicitações e incluiu 29 novos pacientes.
A médica Alexandra Casarin, coordenadora do SAD, explica que o amadurecimento da rede municipal também tem sido essencial. “Os profissionais das unidades e hospitais estão compreendendo melhor o perfil ideal de paciente para o atendimento domiciliar. Isso qualifica a triagem e potencializa os resultados”, afirma.
Formação e futuro: o cuidado em constante aprimoramento
No último sábado, 5 de julho, o III Encontro Sul-Mato-Grossense de Atenção Domiciliar reuniu profissionais, gestores e especialistas para debater os avanços e desafios do modelo em Mato Grosso do Sul. Com oficinas práticas, rodas de conversa e aulas com referências da saúde nacional, como a coordenadora do programa Melhor em Casa, Mariana Borges Dias, o evento reforçou o compromisso com a excelência.
A secretária estadual de saúde, ao lado da direção do HRMS, destacou a importância do evento para consolidar práticas, ampliar conhecimento e fortalecer as redes de cuidado. O tema deste ano — “Fortalecendo a Atenção Domiciliar em Mato Grosso do Sul” — refletiu o desejo de integrar ainda mais os serviços e valorizar os profissionais que fazem a diferença na vida das famílias atendidas.
Resultados que se multiplicam em todo o estado
Desde a implantação do serviço, mais de 1.724 pacientes foram acompanhados em domicílio. São mais de 73 mil atendimentos realizados e mais de 500 mil quilômetros percorridos pelas equipes de saúde, levando mais do que tratamento: levando esperança. O que antes era considerado um atendimento alternativo, hoje se firma como política pública essencial para o equilíbrio do sistema de saúde.
A trajetória do SAD demonstra que é possível cuidar com responsabilidade, eficiência e humanidade. Pacientes como Kyara, Gonçalo e centenas de outros têm provado que o lar pode ser, sim, o lugar da recuperação. E que, quando há investimento e sensibilidade, o SUS se torna cada vez mais capaz de transformar realidades.
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