Uma servidora pública da Prefeitura de Campo Grande, vítima de endometriose profunda, enfrenta uma batalha judicial para garantir o tratamento de saúde necessário à sua sobrevivência e qualidade de vida. Com 38 anos, ela foi diagnosticada com uma forma grave da doença, cujo tratamento envolve procedimentos cirúrgicos delicados, como a remoção do útero, ovários e trompas, além da retirada de um tumor e a realização de laparoscopia no sistema reprodutor.
Apesar da gravidade do quadro, o Serviço de Assistência à Saúde do Servidor Municipal (Servimed) negou o custeio do tratamento. A recusa teve como justificativa a natureza contratual temporária da servidora, amparada no artigo 11 da Lei Municipal nº 6.317 de 2019, alterada posteriormente pela Lei nº 6.842 de 2022. O dispositivo legal restringe a assistência cirúrgica e hospitalar aos servidores contratados ou convocados temporariamente apenas às situações de emergência, que impliquem risco imediato de vida.
A negativa, no entanto, gerou indignação e levou a servidora a buscar amparo judicial com o apoio da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul. O defensor público Nilton Marcelo de Camargo, titular da 4ª Defensoria Pública de Atenção à Saúde, assumiu a defesa da servidora e classificou a legislação municipal como manifestamente inconstitucional.
“As pessoas comissionadas e os contratados temporariamente contribuem para a Servimed no mesmo percentual que os servidores concursados. Entretanto, diferentemente dos efetivos, essa normativa impede que os temporários e os comissionados tenham acesso à assistência à saúde em caráter ambulatorial”, ressaltou o defensor, evidenciando a flagrante violação ao princípio da isonomia.
O processo judicial movido pela servidora está em trâmite em uma Vara Cível, que decidirá sobre a constitucionalidade da legislação e sobre o direito da autora ao tratamento de que necessita. Enquanto isso, o caso expõe, de maneira contundente, as contradições e o descaso da administração pública municipal em relação aos direitos básicos de seus próprios servidores.
O debate sobre a constitucionalidade da norma municipal é sustentado pelo ordenamento jurídico superior. A Constituição Federal, em seu artigo 6º, consagra a saúde como direito social fundamental, enquanto o artigo 196 reforça sua natureza universal e igualitária. O artigo 5º, por sua vez, assegura o princípio da isonomia, proibindo qualquer forma de discriminação entre cidadãos que contribuem igualmente para os sistemas de proteção social.
Além disso, a Lei Federal nº 8.080 de 1990, conhecida como Lei Orgânica da Saúde, estabelece que o acesso aos serviços de saúde deve ser universal e igualitário, impondo ao Estado o dever de garantir atendimento adequado a todos que dele necessitam. Assim, independentemente da natureza do vínculo funcional, servidores que contribuem para sistemas municipais de assistência à saúde possuem direito ao mesmo padrão de atendimento e tratamento.
A situação evidencia, portanto, uma grave distorção na política de assistência à saúde do município de Campo Grande, que impõe barreiras administrativas e jurídicas a servidores temporários e comissionados, privando-os de direitos que lhes são assegurados constitucionalmente. O caso da servidora de 38 anos é emblemático não apenas pelo drama pessoal que envolve, mas também pelo retrato que oferece de uma estrutura normativa municipal que perpetua desigualdades e afronta preceitos fundamentais do Estado Democrático de Direito.
A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul atua, neste caso, como uma instituição essencial na defesa de direitos coletivos e individuais, buscando a correção de uma injustiça que, infelizmente, não é isolada, mas reproduzida em diversas administrações públicas pelo país.
O desfecho do processo poderá representar um importante precedente jurídico e político, capaz de influenciar positivamente a revisão de legislações municipais que ainda insistem em estabelecer distinções inaceitáveis entre servidores que desempenham funções públicas essenciais e que, muitas vezes, estão na linha de frente do atendimento à população.
Enquanto aguarda a decisão da Justiça, a servidora luta não apenas pelo acesso ao tratamento de saúde indispensável, mas também pelo reconhecimento de sua dignidade e da igualdade de direitos entre todos os que, com esforço e dedicação, servem à administração pública, independentemente da natureza jurídica de seus contratos.
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