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STF acolhe recurso dos Guarani Kaiowá e vai revisar anulação da demarcação de suas terras

Foto: Tiago Miotto/Cimi
Foto: Tiago Miotto/Cimi

Que vitória! Ontem, 7 de abril, por unanimidade, os onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) acolheram o recurso protocolado pelo povo Guarani Kaiowá em 2018 para analisar a decisão da Segunda Turma do tribunal que, quatro anos antes, anulou a demarcação da Terra Indígena (TI) Guyraroka, em Mato Grosso do Sul.

Na época, a decisão foi tomada de forma arbitrária: com base na tese do marco temporal e sem ouvir a comunidade.

Por diversas vezes, os indígenas tentaram recorrer, mas não foram ouvidos, e, em meados de 2016, o caso transitou em julgado.

Em 2018, a comunidade decidiu recorrer novamente e, com o apoio da Procuradoria-Geral da República (PGR), ingressou com a ação rescisória para tentar a reversão da decisão. Se baseou nos graves erros e violações que caracterizam o processo.

No mesmo ano, o ministro Luiz Fux negou a ação rescisória. No jargão jurídico, ele “não conheceu” a ação, ou seja, nem abriu o processo para analisá-la no mérito!!! E foi acompanhado pela ministra Carmem Lúcia.

O julgamento foi suspenso após pedido de vistas (mais um tempo para análise mais profunda) do ministro Edson Fachin que retornou em março, com voto favorável aos Guarani.

Direito à justiça

Agora, ao avaliar o recurso protocolado por esse povo, Fux, relator do caso, alterou sua posição e orientou que os demais juízes revisassem sua posição depois de ouvir seus representantes.

E assim, os ministros Dias Toffoli  que deu o último voto e garantiu a maioria favorável ao recursoFachin, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio e Carmem Lúcia seguiram Fux.

A decisão unânime significa que todo os juízes reconheceram que o direito de acesso à Justiça – concedido a todo brasileiro – foi violado e, portanto, a própria Constituição Federal foi desrespeitada.

Significa, também, que a luta continua  já que o julgamento não foi arquivado  e que os esforços empreendidos até agora, por esse povo guerreiro, são legítimos e essenciais para ajudar a escrever a história dos povos indígenas neste período tão conturbado do país, promovido pelo governo Bolsonaro.

É como o Cimi destaca em texto publicado em seu site. “Essa decisão é uma vitória de todos os povos indígenas do Brasil, que lutam pelo reconhecimento de seu direito de acesso à justiça e pela garantia daquilo que a Constituição Federal lhes garantiu em 1988: o direito originário às suas terras tradicionais, sem nenhum marco temporal“.

Esta conquista do povo Guarani Kaiowá permite que o julgamento do mérito da ação rescisória seja reiniciado com a participação da comunidade da referida terra.

E, de acordo com a Apib – Articulação dos Povos Indigenas do Brasil e do Cimi – Conselho Indigenista Missionário, são grandes as chances de obter a reversão da anulação de sua terra demarcada.

Caso simbólico

O Cimi destaca que “o caso da TI Guyraroka é considerado um caso simbólico devido ao conjunto de violações aos direitos indígenas que reúne”.

Por isso, em 2019, foi levado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que “emitiu medidas cautelares em favor da comunidade, após visita de uma comitiva a suas terras, em 2018.

Além das atrocidades cometidas no processo – sobre as quais falei acima – vale destacar que, hoje, as famílias do original tekoha Guyraroka vivem em apenas 55 dos 11,4 mil hectares identificados como parte de sua terra tradicional.

Além disso, diariamente “sofrem com ameaças e os agrotóxicos aplicados nas lavouras que cercam a aldeia e que já causaram a intoxicação de adultos, crianças e idosos”, alerta o Cimi.

Para Luís Eloy Terena, assessor jurídico da Apib e também advogado da comunidade nesta ação, a importância de tornar este caso conhecido se deve também ao fato de que ele reflete a realidade de muitos povos indígenas no Brasil.

“Guyraroka é um caso clássico do que as comunidades indígenas enfrentam por todo o país, qual seja, a dificuldade de ter acesso à Justiça. Vários processos estão tramitando e decisões sendo tomadas sem ouvir os maiores interessados, justamente as pessoas que vão arcar com o peso da eventual decisão judicial”, destacou ao Cimi.

Vigília do povo Guarani Kaiowá em defesa da TI Guiraroka, em frente ao STF Foto: Tiago Miotto/Cimi

Marco temporal, não!

Cimi destaca também que o julgamento da ação sobre a TI Guyraroka está diretamente relacionado com o caso do marco temporal e a repercussão geral, que tramita no Supremo e “diz respeito ao reconhecimento ou a negação do direito mais fundamental aos povos indígenas: o direito à terra“.

A tese do marco temporal é considerada inconstitucional e oposta aos direitos originários garantidos aos povos indígenas pela Constituição Federal.

Antônio Eduardo de Oliveira, secretário executivo da instituição, comenta: “O julgamento da TI Guyraroka adquire uma importância grande na atual conjuntura, mas também em relação ao julgamento do recurso extraordinário com repercussão geral que também está no STF”.

E acrescenta: “Nós nos alegramos com o resultado desse julgamento porque sinaliza que os ministros podem vir a ter o mesmo entendimento com relação ao caso de repercussão geral, o que seria uma grande vitória para todos os povos indígenas”.

Sim, o julgamento da ação dos Guarani Kaiowá terá consequências para todos os povos indígenas e passará a ser usado como uma referência para futuros julgamentos.

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