Em duas décadas e meia, as mortes globais por resistência a antimicrobianos chegarão a 39 milhões, com 1,91 milhão de óbitos anuais diretamente associados ao problema, um aumento de 67,5% em relação a 2021 (1,14 milhão).
No mais detalhado relatório sobre o tema, publicado na revista The Lancet, pesquisadores da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, alertam que os micro-organismos imunes a medicamentos causarão, também, 169 milhões de mortes adicionais, por causas indiretas, entre 2025 e 2050.
A resistência antimicrobiana (RAM) ocorre quando bactérias, vírus, fungos e parasitas mudam ao longo do tempo e já não respondem aos medicamentos, tornando as infecções mais difíceis de tratar e aumentando o risco de propagação de doenças graves e morte. Antimicrobianos, que incluem antibióticos, antivirais, antifúngicos e antiparasitários, são usados em humanos, animais e plantas, e a falta de eficácia de muitos deles, utilizados massivamente, é considerada uma ameaça global pela Organização Mundial da Saúde.
No estudo, os pesquisadores usaram modelos computacionais para calcular a mortalidade atual e estimar a tendência de óbitos associados à resistência de 22 micro-organismos, 84 combinações patógeno-medicamentos e 11 síndromes silenciosas, incluindo meningite e infecções da corrente sanguínea. Foram consideradas pessoas de todas as idades em 204 países, incluindo o Brasil. As estimativas baseiam-se em registros médicos de 520 milhões de pessoas.
Crianças
As análises mostram o impacto da RAM na saúde entre 30 anos e estimam a mortalidade em potencial para o período de 2025 a 2050. Os dados indicaram que, de 1990 a 2021, mais de um milhão de pessoas morreram em decorrência da resistência, anualmente. No mesmo intervalo, os óbitos por essa causa entre crianças menores de 5 anos caíram 50%, mas aumentaram mais de 80% na faixa etária a partir dos 70 anos.
No período analisado, as mortes relacionadas à S. aureus resistente à meticilina (MRSA) aumentaram mais globalmente, levando diretamente a 130 mil mortes em 2021 mais do que o dobro do verificado em 1990 (57,2 mil). Entre as bactérias gram-negativas algumas das mais insensíveis a medicamentos, a mortalidade passou de 127 mil (1990) para 216 mil (2021).
As previsões indicam que a mortalidade entre crianças continuarão a reduzir, caindo pela metade em 2050 em comparação a 2022 (passando de 204 mil para 103 mil). Porém, serão superadas por aumentos em outras faixas etárias, especialmente acima dos 70 anos um crescimento de 146% até 2050, passando de 512.353 para 1.259.409.
Também haverá diferenças significativas nos impactos pelo mundo, mostra o estudo. Nos países de renda alta, é esperado o aumento de 72% das mortes por RAM entre idosos; já no Norte da África e no Oriente Médio, a expectativa é de 234% mais casos na população acima de 70 anos.
Estratégias
O estudo mostra também que é possível salvar a vida de 92 milhões de pessoas de todas as idades entre 2025 e 2050, melhorando os cuidados de saúde, as medidas preventivas e o controle mais rigoroso dos antimicrobianos. Entre as estratégias citadas está a ampliação da vacinação, a redução do uso inapropriado de antibióticos e as pesquisas de novos medicamentos.
“Os antimicrobianos são um dos pilares da assistência médica moderna, e o aumento da resistência a eles é uma grande causa de preocupação”, disse, em nota, Mohsen Naghavi, líder do estudo e cientista da Universidade de Washington. “A RAM tem sido uma ameaça global significativa à saúde por décadas e essa ameaça está crescendo.” Segundo o pesquisador, “entender como as tendências nas mortes por RAM mudaram ao longo do tempo e como elas provavelmente mudarão no futuro é vital para tomar decisões para ajudar a salvar vidas”.
Andrei L. Ostermann, do Instituto de Pesquisa Biomédica Sanford Burnham Prebys, nos Estados Unidos, destaca também a necessidade de se aprofundar o conhecimento sobre os mecanismos da resistência antimicrobriana. “As bactérias adquirem resistência como resultado de eventos mutacionais aleatórios que acontecem na replicação do DNA, como ‘erros de digitação’ não corrigidos”, explica Osterman, que não participou do artigo da The Lancet.
“Essas mutações prejudiciais podem estar associadas a vários tipos de mecanismos de resistência, incluindo a modificação dos alvos proteicos de um determinado medicamento, a capacidade das células bacterianas de expelir compostos dos remédios antes que causem danos e enzimas especiais que inativam as substâncias ativas do medicamento.” Para ele, é fundamental descobrir os perfis de resistência dos antimicrobianos. “Isso ajudaria a estabelecer possíveis tratamentos combinatórios, incluindo cepas multirresistentes clinicamente relevantes.”
Mesmo com medidas mais restritivas, como necessidade de receita para a compra de antibiótico, a previsão é de alta de mortalidade. Por quê?
Até 2050, óbitos por resistências bacterianas e isso inclui bactérias, vírus e fungos irão ultrapassar a mortalidade por câncer. Nós usamos antibióticos em vários momentos da vida, a gente tem antibiótico ao nascer; usamos muitas vezes na agropecuária, para permitir que os animais mantenham uma velocidade de crescimento. Então, quando ingerimos os alimentos, estamos ingerindo fragmento de antibiótico. O controle do uso da substância na população humana é apenas um dos detalhes. Ou seja, restrição de receita, dificultar o acesso, são detalhes. Porque a gente sabe que existe antibiótico na pecuária e na agricultura. Quando comemos, recebemos esses antibióticos em uma menor concentração, e isso favorece a resistência.
Por que a dificuldade de se desenvolverem novas drogas?
Há uma dificuldade gradativa de renovação do portfólio de antibiótico devido ao custo para se criar medicamentos do tipo, e pela rapidez com que eles perdem a funcionalidade. Enquanto as mutações bacterianas são rápidas, as pesquisas demoram em média de cinco até 15 anos. Uma bactéria, às vezes, adquire resistência em menos de um mês.
O que é preciso fazer para driblar a resistência antibacteriana?
Precisamos de ações do ponto de vista humano, que é controle do uso, treinando médicos para usarem cada vez menos antibióticos. Na infectologia, usamos o termo “menos é mais”: menor tempo e menos dose de antibiótico diminui a resistência bacteriana. Também é preciso melhorar o diagnóstico e incentivar o uso racional, ou seja, otimizar o antibiótico pelo tempo necessário. Na agropecuária, é preciso reduzir insumos animais e vegetais que contêm fragmentos de antibióticos.