O bairro Vacílio Dias, em Nova Alvorada do Sul, no interior de Mato Grosso do Sul, foi palco de uma tragédia que chocou a comunidade e reacendeu o debate sobre os riscos da dependência emocional e da toxicodependência nas relações amorosas. Katiane Constante Pacheco, de 42 anos, morreu na tarde desta quarta-feira, 28 de maio, na Santa Casa de Campo Grande, após sofrer queimaduras gravíssimas ao atear fogo no próprio corpo. O caso ocorreu no último domingo, 25 de maio, na residência onde vivia com o companheiro, um trabalhador de 36 anos.
Segundo informações do boletim de ocorrência, Katiane utilizou álcool e um isqueiro para se incendiar, afirmando que aquela seria uma “prova de amor” destinada ao companheiro. O homem relatou à Polícia Civil que, ao perceber o fogo, correu para socorrê-la, envolvendo-a em um abraço na tentativa de conter as chamas e, em seguida, arremessou-a dentro de uma caixa d’água na residência, o que acabou provocando queimaduras em seu próprio braço direito.
A cena foi presenciada pela filha da vítima, uma adolescente de apenas 16 anos, que, ao ouvir os gritos desesperados do padrasto por socorro, correu para acionar o Corpo de Bombeiros. No momento do atendimento, conforme relatado pelos militares, Katiane ainda estava consciente e confirmou aos socorristas que havia se incendiado de forma intencional. Apesar de ter sido rapidamente encaminhada em estado gravíssimo para o hospital, com queimaduras de terceiro grau que atingiram o tórax, ombros e todo o couro cabeludo, ela não resistiu aos ferimentos e teve sua morte confirmada três dias depois.
O local onde o fato ocorreu já era conhecido das autoridades policiais em função de registros anteriores de desentendimentos entre o casal, quase sempre relacionados ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas. A Delegacia de Polícia Civil de Nova Alvorada do Sul segue investigando o caso, embora as evidências apontem para um ato impulsivo e autodestrutivo motivado por uma relação de forte dependência emocional.
O episódio trágico envolvendo Katiane não foi um caso isolado. Apenas neste mês de maio, outra mulher perdeu a vida em circunstâncias semelhantes. No dia 18, Stephany Maciel Silva, de 30 anos, ateou fogo no próprio corpo em frente à casa do ex-marido, no bairro Nova Campo Grande, também em Mato Grosso do Sul, revelando um padrão preocupante de autodestruição associado a contextos de rompimentos ou conflitos conjugais.
Diante de casos tão impactantes, especialistas em comportamento humano têm se manifestado para chamar a atenção sobre os perigos da dependência emocional e da toxicodependência, muitas vezes negligenciados em relações afetivas marcadas pela instabilidade. A psicóloga Letícia Ramos, especialista em saúde mental e relações afetivas, destaca que comportamentos extremos como o de Katiane são, na verdade, manifestações extremas de relações marcadas por desequilíbrios profundos.
“Infelizmente, muitas mulheres desenvolvem relações marcadas pela dependência emocional, onde sua autoestima e seu sentido de vida ficam condicionados ao outro, levando-as a buscar atitudes autodestrutivas como uma possível forma de provar amor. É fundamental desconstruir essa ideia de que amar implica sacrifício ou dor. Relações saudáveis são baseadas em respeito mútuo, cuidado e acolhimento, e não na anulação pessoal”, explica a psicóloga.
Letícia também ressalta que, frequentemente, a dependência emocional está associada à toxicodependência, termo que designa o uso abusivo de substâncias como álcool ou drogas ilícitas para lidar com sentimentos de angústia, solidão e rejeição. “O uso contínuo de substâncias psicoativas pode intensificar a impulsividade, diminuir os mecanismos de autocontrole e aumentar o risco de comportamentos autolesivos e suicidas”, alerta.
Segundo dados do Ministério da Saúde, a dependência química atinge cerca de 5% da população brasileira, sendo um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos mentais graves, incluindo depressão e transtornos de personalidade, que potencializam atitudes extremas em contextos de crise afetiva.
Especialistas indicam que a prevenção a esses comportamentos passa, obrigatoriamente, pela educação emocional, pelo fortalecimento de redes de apoio e pelo acesso a serviços especializados de saúde mental. A psicóloga orienta que, ao perceber sinais de dependência emocional ou toxicodependência em si ou em pessoas próximas, o mais adequado é buscar ajuda profissional.
“Existem centros de atendimento psicossocial (CAPS), grupos de apoio como Alcoólicos Anônimos (AA) e Narcóticos Anônimos (NA), além de serviços de psicoterapia que oferecem suporte especializado. É essencial que a sociedade compreenda que essas mulheres não são fracas ou culpadas, mas sim pessoas vulneráveis que precisam de acolhimento e tratamento adequado”, conclui a profissional.
O caso de Katiane reacende um alerta sobre o ciclo silencioso de sofrimento vivido por muitas mulheres que, por medo, vergonha ou falta de informação, não buscam ajuda a tempo. Para as autoridades, cabe intensificar campanhas de conscientização sobre relações abusivas, saúde mental e combate à violência contra a mulher, além de garantir políticas públicas que ampliem o acesso a tratamentos de qualidade.
Enquanto a investigação policial prossegue, a tragédia serve como um triste lembrete da urgência de ações coletivas para combater os fatores que levam a atos tão extremos, reforçando que o verdadeiro amor nunca deve ser sinônimo de dor ou autodestruição.
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