Na próxima terça-feira, 20 de maio, o Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul deverá julgar um dos processos mais emblemáticos da história política recente de Campo Grande. A ação judicial eleitoral pode culminar na cassação dos mandatos da prefeita Adriane Lopes (PP) e de sua vice, Camilla Nascimento (PP), eleitas em segundo turno nas eleições municipais de 2024. A acusação principal envolve a compra de votos, evidenciada por farto material audiovisual, documentos e testemunhos que, segundo os autores da ação, constituem provas irrefutáveis de uma estrutura orquestrada de abuso de poder político e econômico.
A ação de investigação judicial eleitoral foi movida pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) e pelo partido Democracia Cristã, logo após uma enxurrada de denúncias recebidas por suas lideranças. As informações sugeriam que a vitória da chapa encabeçada por Adriane Lopes teria sido assegurada por uma ampla rede de favorecimento em troca de votos em diversos bairros da capital sul-mato-grossense.
Adriane Lopes venceu o pleito com 222.699 votos (51,45%), contra 210.112 (48,55%) obtidos pela candidata Rose Modesto (União Brasil), sua principal adversária. A diferença de 12.587 votos inferior ao total obtido pelo vereador mais votado da cidade levanta suspeitas ainda mais contundentes sobre a lisura do processo eleitoral. Conforme os autos do processo, essa vantagem poderia ter sido inteiramente fabricada mediante uma máquina de cooptação eleitoral que agiu intensamente na reta final da campanha.
Imagens, promessas e coerção: o roteiro da fraude
Entre as provas destacadas no processo estão vídeos gravados por moradores de bairros como o Conjunto Aero Rancho, Parque do Lageado, Vila Nasser e Jardim Canguru, que demonstram uma atuação explícita de cabos eleitorais da prefeita promovendo a distribuição de combustíveis em troca da colocação de adesivos em veículos particulares, ação esta que teria ocorrido às vésperas do segundo turno.
Em alguns desses registros, eleitores aparecem cobrando coordenadores da campanha após terem fornecido dados pessoais, como nome completo, número do título, zona e seção eleitoral, além de comprovantes de residência. Os vídeos mostram cidadãos indignados exigindo o cumprimento de promessas de pagamento, feitos em troca do apoio declarado à candidata. As gravações expõem de maneira clara o elo entre a coleta de dados e a posterior promessa de recompensa, com relatos sobre listas manuscritas e transferências via PIX que confirmariam o mecanismo fraudulento.
Um dos vídeos mostra dois homens sendo interpelados por eleitores em uma casa simples de periferia. A discussão gira em torno de um suposto atraso nos pagamentos prometidos pela campanha. “Nós já entregamos os cadastros, tudo com título, zona e seção. Agora não aparece ninguém para acertar?”, questiona uma das moradoras. Outro eleitor acrescenta: “A gente fez a parte da gente. Vocês falaram que era certo. Agora vem dizer que é amanhã de novo?”. Em resposta, um dos coordenadores promete que o dinheiro seria depositado no dia seguinte, o que gera mais revolta e desconfiança nos presentes.
Além das imagens de distribuição de combustível e promessas de pagamento, o processo judicial também reúne relatos e vídeos em que pastores de igrejas evangélicas da capital aparecem pedindo votos em nome de Adriane Lopes. Em alguns desses cultos, gravados por fiéis, há menções a “recompensas celestiais” e, mais diretamente, a benefícios materiais, em caso de vitória da candidata. Segundo o Ministério Público, tais práticas configuram coação religiosa e uso indevido da fé para fins eleitorais.
Pressão sobre servidores e programas sociais
Outro capítulo decisivo da denúncia envolve a coação institucional de servidores públicos. Há nos autos diversos depoimentos de professores temporários, diretores e vice-diretores de escolas municipais, além de funcionários comissionados da Prefeitura de Campo Grande, que afirmam ter sido obrigados a participar de reuniões eleitorais com cunho coercitivo. Alguns relataram que foram orientados a declarar voto em Adriane Lopes sob ameaça de não renovação de contrato ou exoneração imediata.
Também foram denunciadas intimidações contra beneficiários de programas sociais, como o Primit (antigo Proinc), voltado à inserção de pessoas de baixa renda no mercado de trabalho por meio de bolsas municipais. Trabalhadores do programa relataram ter sido abordados por lideranças ligadas à campanha de Adriane, que impunham o apoio eleitoral como condição para a manutenção do benefício.
Sentença inicial e recurso em andamento
Em primeira instância, o juiz eleitoral Ariovaldo Nantes Corrêa reconheceu, em sua decisão de 23 de janeiro, que houve compra de votos. O magistrado admitiu que havia nos autos “áudios, vídeos e comprovantes de pagamentos por PIX” que demonstravam a prática ilícita. Mesmo assim, julgou improcedente o pedido de cassação, alegando não haver prova “cabal” da participação direta ou anuência das candidatas Adriane e Camilla.
Contudo, o próprio juiz determinou o envio de cópias do processo à Polícia Federal, reconhecendo a gravidade dos fatos narrados. O Ministério Público Eleitoral, por sua vez, se posicionou de forma enfática no parecer apresentado ao TRE-MS, destacando que as provas convergem para a conclusão de que Adriane Lopes tinha pleno conhecimento da operação ilícita.
O procurador regional eleitoral Luiz Gustavo Mantovani escreveu que “a chancela da prefeita nas captações ilícitas de sufrágio ficou evidente nas declarações de testemunhas que relataram a promessa de que Adriane compareceria às reuniões em que ocorreram pagamentos”. Ainda segundo o parecer, ao menos um vídeo anexado ao processo confirma a realização de tais encontros e pagamentos.
Expectativa para o julgamento
O julgamento desta terça-feira será determinante não apenas para a trajetória política de Adriane Lopes e Camilla Nascimento, mas para o próprio cenário político de Campo Grande. Caso o TRE acate o parecer do Ministério Público e reconheça a validade das provas, a cassação da chapa deverá ser imediata, com convocação de novas eleições suplementares.

A expectativa é de que o processo ganhe repercussão nacional, não apenas pela importância institucional da decisão, mas pelo exemplo de responsabilização política diante do uso indevido da máquina pública e do abuso de poder nas campanhas eleitorais.
A cidade aguarda com atenção o veredito de um caso que envolve não apenas denúncias, mas uma sequência robusta de documentos, imagens e testemunhos que apontam, de forma contundente, para a existência de uma engrenagem eleitoral construída à base de promessas, intimidações e compra direta de votos.
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