O solo arenoso de Gaza é o pior inimigo de Israel. Foi possível escavar quase que com as mãos e longe de olhares indiscretos, por mais de três décadas, para perfurar uma das maiores redes de túneis e passagens subterrâneas do planeta em um de seus menores territórios.
O Estado-maior das Forças Armadas de Israel batizou de “metrô” a rede estratégica de dezenas de quilômetros de galerias de uso militar, considerada como a arma secreta do Hamas diante de uma invasão. Ao contrário de túneis de contrabando, na fronteira com o Egito, ou passagens de ataque escavadas sob a fronteira de Israel, ninguém viveu para contar o que viu no metrô da Faixa de Gaza.
O objetivo central da planejada invasão será previsivelmente a rede de abrigos subterrâneos, onde se escondem os líderes políticos do Hamas e os comandantes de seu braço armado, as Brigadas de Ezedin al-Qassam.
Israel lançou uma guerra em larga escala em Gaza, em 2014, que incluiu uma ampla operação terrestre durante dois meses, com o propósito de destruir as galerias subterrâneas. Em 2021, na última grande incursão do Exército, Israel voltou a anunciar sua destruição, ao mesmo tempo em que justificava os bombardeios do bairro residencial de Rimal, na capital do enclave, onde se registraram dezenas de vítimas civis.
As crateras e buracos abertos pelas bombas neste distrito, após 11 dias de bombardeios, mostravam o característico solo arenoso de Gaza, sem restos de concreto ou vigas metálicas, quando a imprensa estrangeira pôde visitar o local.
O Hamas afirma que há 500 quilômetros de túneis. Mas acredito que esse número é uma forma de desincentivo a Israel, para que não invada Gaza explica Harel Chorev, historiador e pesquisador do Centro Dayan, da Universidade de Tel Aviv.
O que é certo é que há dezenas de quilômetros construídos, de onde são lançados foguetes e se guarda armamento. Também há salas de abastecimento, reservas de água, dispositivos eletrônicos e tudo o que se pode precisar em caso de um ataque.
O labirinto de túneis, alguns dos quais com mais de 30 metros de profundidade, é um dos segredos mais bem guardados pela alta cúpula das milícias do Hamas. Ao contrário das passagens da Al-Qaeda, no montanhoso leste do Afeganistão, ou das cidades subterrâneas escavadas pelos Vietcong nas selvas vietnamitas há 50 anos, as galerias do metrô do Hamas se estendem por baixo de zonas urbanas densamente povoadas.
Para destruir os túneis, será preciso inundá-los, como fez o Egito com as passagens usadas para contrabando no sul, ou explodi-los, como no caso dos túneis de ataque sob a fronteira. Os israelenses também têm a opção de recorrer a robôs para desativar armadilhas com bombas antes de tomá-los de assalto.
A ONU, através da sua agência para os refugiados palestinos, UNRWA, foi a única fonte, além das partes em conflito, que registrou a existência da rede de túneis. No ano passado, uma “cavidade artificial” foi localizada sob o terreno de uma das escolas da agência em Gaza. A UNRWA denunciou a descoberta como uma violação da sua neutralidade no conflito e chamou-a de uma ameaça à segurança dos estudantes.
Israel já capturou dezenas de milicianos dos serviços de inteligência da unidade de elite das Brigadas al-Qassam, de acordo com o professor Chorev.
Foram treinados nos túneis e podem conhecer com exatidão as entradas e as saídas da rede argumenta. Um dos maiores desafios para as Forças Armadas [de Israel] é que não se sabe com que tipo de arma o Hamas conta nos túneis, da mesma forma que não se conhecia a capacidade de ataque do Hamas antes do dia 7 de outubro.
Luta prolongada
Os túneis foram construídos a um custo de muitos milhões de euros. É uma infraestrutura realmente cara, porque é preciso cimento, ferro e outros elementos que elevam o gasto conclui o especialista da Universidade de Tel Aviv, que aponta que os materiais foram desviados da ajuda humanitária internacional para a população civil.
Antes de construir uma barreira subterrânea ao redor da Faixa de Gaza por um custo de cerca de 1 bilhão de euros, Israel bombardeou sistematicamente os túneis, onde dezenas de milicianos do Hamas e da Jihad Islâmica foram enterrados vivos. O Egito, por sua vez, inundou as passagens de contrabando, utilizadas para furar o bloqueio imposto à região, canalizando água do mar.
Junto às passagens de ataque e de contrabando, o Hamas recorre ao lançamento de foguetes para enfrentar Israel. O Exército respondeu com a criação do escudo defensivo Domo de Ferro, que intercepta os projéteis. Mas ainda não conta com outra alternativa aos túneis dentro de Gaza que não sejam bombardeios massivos, com um alto custo de vidas civis, ou uma operação terrestre contra uma guerrilha especializada em combate urbano.